domingo, julho 13

apago

apago. repito: apago. sem dó, sem pena. assumo a dor. apago. cada linha, reescrevo cada verso, tento transformar o passado. em prol do futuro? não. só apago, só nego, só assumo o vazio aqui dentro. pra que lembranças se o que me sobrou é só um corpo oco, um coração ausente? repito: apago.
não renascerá, não há cinzas, não há matéria intacta, é tudo inútil, tudo vai fora. tudo apagado, borrado, ilegível. fica só um resto opaco, sem luz. apago, e sobra só a borracha, o resto se vai. não se precisa dele.

apago. reescrevo. minha escrita agora é só simbólica. é o vazio. é um ponto final perdido numa folha, espaço em branco contente. nele diz-se toda a minha vida, resumo: solidão.

FIM DO BLOG

me arrisco um tempo no fotolog:
www.fotolog.com/psicose448

domingo, maio 4

tentamos

Sempre pensei que teu perfume fosse durar, que teu cheiro iria me perseguir, que eu iria andar meses tentando tirar os restos de ti em mim. Mas mal tu se despedia e já sentia o nada invadindo minhas narinas. Talvez fosse um sinal. Tu não conseguia, embora eu e tu tenhamos lutado muito por isso, não conseguia ficar impregnado em mim. Tu é adesivo sem cola, por mais que tente, não gruda.

Tentei? Tentamos. Nas noites enroscadas nos nossos corpos nus, teu cheiro pairava, mas nunca dentro, sempre e apenas sobre nós. E sobre o relógio passamos horas apagando os cigarros e depois lavando as janelas e até os perfumes botamos todos fora, para que apenas nós mesmos pudessemos ser sentidos. Mas não fomos. Fomos negados pelo mundo, recebemos um aviso de incompátiveis mas continuamos fingindo que não era pra nós.

sexta-feira, março 21

talvez um partisse, talvez um voltasse

teu silêncio me matando outra vez.
a ausencia de ti dói mais que a presença afirmando nosso não-futuro, nosso não-amor e talvez até nossa não-amizade.
penso em ti profundamente outra vez, outra das vezes incontaveis nesse dia que nem chegou ao fim, mas já o dilascero inconfundivelmente na minha angustia sem motivo. penso que choro por dentro. aquela coisa sarah kane (eu costumo conseguir chorar, mas - ) agora estou além das lágrimas.te quero, te quero. penso baixinho, pra tentando (ainda) negar o pensamento, o desejo. nem sequer te conheço, mas o teu não-conhecido me encanta, me chama pra perto de ti. é díficil negar o chamado, sempre fui muito obediente. mas não é isso. só as vezes me pego perdida, andando num ônibus lotada pensando invariavelmente em ti. tem alguma coisa na tua tristeza (que também desconheço, mas sei existente) que me fascina. tua tristeza combina com a minha. talvez o resto não, talvez nunca nada, mas tristeza, melancolia, tudo. é. só mais uma paixãozinha platônica ridicula de duas semanas. mas a sensação de que é diferente, a dor que me corroi aqui sentada (e que também me persegue em pé) me faz acreditar que talvez tudo, talvez nada.

nada.
sei a resposta.
te procuro na proxima esquina, quem sabe.
(aquela mania louca de tentar enxergar nos olhos dos outros o teu olhar, te achar perdido em qualquer lugar e dizer "eu acho que te conheço" e teus braços no meu corpo invadindo algo que desconhece mas que inconfundivelmente eu te entregaria sem pensar.)

segunda-feira, fevereiro 18

ainda há o que se apagar

Me parecia um assunto cretino. Mesmo assim pensei que a idéia era genial, quer dizer, era genial na minha cabeça, e embora eu soubesse bem isso, soubesse que no papel ia ficar uma porcaria, embora eu soubesse, não adiantou. A certeza é tanta quando me veem na mente que é impossível resistir. Era aparentemente perfeito. Corri desesperadamente tentando encontrar um papel, alguma coisa que pudesse ser registrada. Não achei, cansei, desisti. Acreditei que minha memória não iria me trair, ó infeliz memória, cretina, vagabunda, pelo menos dessa vez me seja fiel. Bolei planos maléficos pra usar com essa minha idéia. Repeti ela mentalmente até me cansar. Pensei em chavões que fossem impossíveis esquecer. Fui dormir concentrada, pensando nela.

Mas no outro dia, pra desespero total, acordei e procurando a minha fabulosa idéia, descobri o mais terrível dos resultados. Haviam me sabotado. Roubaram meu fabuloso próximo e marivilhoso projeto. A minha memória havia pulado a cerca. Insisti durante horas, até concluir, desapontada, dilascerada, estupefada: eu esqueci.

sábado, fevereiro 2

tenho escrito sim senhor

eu tenho escrito sim. escrito pouco, rabiscos, coisas sem sentido, meio assim que nem agora. mas não me importo mais. me surpreendi lendo coisas como bukowisk e descobrindo que tanto faz a letra maiuscula. lendo caio que tanto faz a virgula que tanto faz o mundo inteiro explodindo, é só eu e o meu bloco de notas novamente, sem pressão, sem mais textos para o blog.
não há blog, foda-se. eu sei o quanto a literatura explode em mim, e se não pode ser escrevendo, vai ser lendo. eu tenho pensado na solidão, sim. e tenho vivido ela. e tenho chorado, e tenho amado, e tenho tido vontades reprimidas de pular a janela, ou sei lá. mas tenho aprendido a lamber o chão dos palacios, a me sentir desprezada como um cão, e tudo bem, acordar, escovar os dentes, tomar café e continuar........

quarta-feira, dezembro 5

gelo

Do que adianta me implorar sinceridade, se quando te falo de melancolia, me calas. Quer me fazer mentir pra mim mesma, mas tapar a boca não apaga a dor, nem o café amargo esconde o doce dos meus olhos. O olhar triste me pertence, e a ti, tu próprio negas, são minhas as tardes cinzas, sou eu quem as faz chorar.
Verdades não são só palavras. Escorrem e transpareço em meu rosto, entender é fluente dessa língua.

Recomendo atenção de mim tu não tiras sons
eu sou só gelo, sentimento
____d
__err
___eten
do.

segunda-feira, novembro 12

pintura de mim

e de repente parece que invadiram a sua festa e disseram ACABOU.

acabou? até que ponto eu me iludo, até que ponto alguma coisa realmente existe. existiu. a tua real posição me assusta, e eu ainda a desconheço. não revele, perde a graça. a coisa mais banal ganha encanto quando não revelada. eu tinha que decorar os textos. foda-se os textos, aquela coisa chamada tristeza me invadiu de novo, o que se faz? se aceita. é isso que eu digo pra mim todo dia, mas na hora não sei, na hora parece que morri um pouco e não consigo reagir, não consigo nem aceitar e nem não aceitar. inércia é exagero, mas me sinto meio atordoada, meio tonta, caminhando sem direção. eu estou sentada. eu tinha que fazer tanta coisa, estudar, me esforçar, me cuidar, ler mais, escrever mais, sorrir mais. pensar menos.

pular da ponte é um conjunto de palavras que tem me ocorrido bastante. mas que ponte, mas que ponte. não tem ponte nenhuma, ainda bem, se tivesse, de certo eu pularia. sempre haverá as janelas, mas ah! janelas são tão sem graças que até já tem um nome... se defenestrar. defenestrar. defenestrar. analista de bagé. comunidade no orkut. sei lá. pular da janela não tem graça, por enquanto continuar por aqui até a tristeza passar (anda mais rápido ok eu tenho mais o que fazer) ponto

terça-feira, novembro 6

Cobaia 3

B - Tem certeza?
A - Sim. Tenho.
B - Mesmo?
A - Já disse que sim.
B - Eu sei que você já disse que sim, só queria estar completamente ciente de que é isso que você quer.
A - Tá.
B - É isso que você quer?
A - O quê?
B - Você sabe... Isso.
A - Ah... Isso.
B - É. Isso. E aí, você quer mesmo?
A - Claro que quero, por que não ia querer?
B - Vou saber, você é estranha.
A - Entre nós dois, pode ter certeza que a estranha não sou eu.
B - O que você quer dizer com isso?
A - Nada.

(...)

B - Por quê?
A - Por que o quê?
B - Por que você quer isso?
A - Não sei, eu só quero, tá legal?
B - Tá legal.

(...)

B - Só quer?
A - Hein?
B - Você só quer mesmo?
A - Só quero.
B - Será realmente que você "só quer"? Eu acho que tem outra coisa por trás disso.
A - Como assim?
B - Assim, eu não acho que seja só isso, como você diz.
A - Sim, essa parte eu entendi. Mas o que tem por trás disso?
B - Me diga você, é você quem o está escondendo.
A - Eu não estou escondendo nada.
B - Mentira.
A - Verdade.
B - Mentira.
A - Verdade.
B - Viu, você está escondendo, se não teria me dito o que era.
A - Não é nada!
B - Tudo bem, eu já entendi, não precisa me dizer se não quiser.
A - Ok.

(...)

A - Eu não estou escondendo nada.
B - Tá, tá.
A - É sério.
B - Sei.

(...)

A - Olha, eu não tenho nem porque esconder alguma coisa.
B - Eu não estou dizendo nada.
A - Não tenho nada a esconder.
B - Por mim tudo bem.
A - Sério mesmo, não tem nada por trás disso.
B - Certo.

(...)

B - Me diz uma coisa.
A - O quê?
B - Você é espiã ou alguma coisa do tipo?
A - Como?
B - Espiã... Aquelas pessoas que espionam, sabe?
A - Sei.
B - E aí, você é?
A - Espiã?
B - É!
A - Não, por quê?
B - Não mesmo?
A - Não.
B - Também, se fosse, você não me diria.
A - E por que não?
B - Você diria?
A - Ué, de repente...

(...)

B - Escuta só, eu não vou cair nessa de "se eu fosse eu contaria". Você é uma espiã e não quer me dizer.
A - Não sou.
B - Tudo bem você ser, acontece.
A - É, tudo bem, mas eu não sou.
B - Me prove.
A - Que eu não sou espiã?
B - Não, que você é uma galinha.
A - Ahn?
B - É, que você não é espiã. Me prove.
A - Ah tá.
B - Então, prove.
A - Espera aí, estou pensando.
B - Você pensa devagar pra uma espiã.
A - Mas eu não sou espiã.
B - Não fica querendo me enganar, figir que está pensando, ir no banheiro sair de fininho. Nada disso, agora eu já descobri, você é uma espiã e não tem nada que me faça mudar de opinião.
A - Olha cara, eu não sei o que está acontecendo, e nem da onde você tirou isso, mas eu não sou uma espiã.
B - Hehehe, tá, conta outra. Você não é espiã e eu sou um maniaco.
A - E o que tem de absurdo nessa frase?
B - Vamos fazer o seguinte: esqueça essa conversa, tá?
A - Perfeito. Outra solução melhor não teria.
B - Ótimo. Então isso nunca aconteceu.
A - Exatamente.
B - Isso.

(...)

B - Você vem sempre aqui?
A - Isso é uma cantada?
B - Depende, você quer que seja?
A - Céus! Não!
B - Não.
A - Não?
B - Não é uma cantada.
A - Que bom.

(...)

B - Hein?
A - O quê?
B - Você é sempre meio devagar ou é só hoje?
A - Eu não sou devagar.
B - Tá bom, então responde.
A - Responder...?
B - A pergunta.
A - Isso eu entendi.
B - Então por que não responde?
A - Porque...
B - Tá, eu perguntei se você vem sempre aqui.
A - Isso!
B - Isso o quê?
A - Não conseguia lembrar...
B - Não diga!
A - É... eu venho às vezes.
B - Que bom. É um lugar agradável, não?
A - Às vezes, às vezes...
B - Por que só às vezes?
A - Porque tem outras que não são agradáveis.
B - Eu perguntei o motivo.
A - Ah bom... porque sei lá, às vezes eu posso simplesmente ficar aqui sentada e tudo bem, já outras...
B - Se você diz. Mas eu gosto bastante daqui.
A - Que bom.
B - É bom mesmo.

(...)

B - Você vai ficar aqui o dia todo?
A - Não, já tava indo. Por quê?
B - Nada, só pra saber.
A - Tá bom.
B - Você não vai?
A - O quê?
B - Ir embora.
A - Daqui a pouco.
B - Tinha entendido que era agora.
A - Não. Mas pensando bem, vou indo.
B - Então tá.
A - Tchau pra você.
B - Tchauzinho. Até breve.
A - É... tchau.
B - Hei!
A - O quê?
B - Pode ficar tranqüila.
A - Com o quê?
B - Prometo não contar pra ninguém que você é uma espiã.

sábado, outubro 20

Amanda

nunca terminei, mas acho que nunca vou terminar mesmo.

Vindo da capital, é só seguir a grande avenida, a da igrejinha, dobrar na segunda sinaleira à direita, onde tem uma parada de ônibus quase caindo os pedaços, como todas as outras coisas na cidade. Depois virar na primeira esquina com uma casa de madeira à esquerda, e seguir reto até encontrar uma ruazinha do lado do Santa Rosa, um mercado onde trabalham atendentes de caixa super simpáticas, depois é só entrar nessa rua e seguir até o fim, é uma rua sem saída, e bem no final tem a casa da Amanda.

Amanda não gosta das atendentes do mercadinho da esquina, e nunca notou a simpatia delas. Ela só enxerga um rostinho bonito em cada uma delas, e as enoja, rejeitando qualquer diálogo que demonstre afeto com estas criaturas doces. Pensa saber tudo sobre elas, e as odeia. Não que sejam burras, ou mediocres, Amanda sabe muito bem que o quê sente é inveja, e seu jeito sem-graça, que faz chorar quem a olha, impede que ela perceba nas atendentes um escape para solidão, uma oportunidade para sair do seu mundo fechado e viver alguma coisa nisso, que todos estes anos ela tem chamado de vida. Mas nunca chegariam perto disto, nem se as atendentes quisessem, e não querem, só porque são bonitas. E isto basta.

Amanda também não simpatiza com a igrejinha, mas não por ser uma igreja, ela até é bastante religiosa, mas não gosta dos peixes pintados na lateral direita, e nem do azul quase-anil que cobre o telhado. Ela implica com a cor desde que era criança. Amanda sempre quis ter os olhos azuis, mas o castanho que a pertence é tão intenso que para chuva em dias de inverno.

segunda-feira, outubro 1

(coração gelado)

Faz frio aqui fora.
Penso que se talvez eu tivesse te dito uma ou duas palavras de afeto antes de explodir, tu sentirias pena e me deixarias entrar. No entanto, o que vale mais: a hipocresia ou o frio? (eu sei o que dói mais.)
Minhas palpebras congelam a retina ao encostar no olho, meus dedos estremecem ao olhar pra porta. Amanhã mesmo já estara tudo bem, a briga que tivemos não vale nada.
Mais uma das minhas crises e tu nunca mais me deixa voltar, dessa vez passa, mas e da próxima? Quantas vezes mais tu aguentas que eu diga que tu és uma ingrata, uma puta, uma chata?

Tu nem consegue responder a minha altura. Tua voz não vale nada (ela é completamente anulada com a presença de luz ao teu redor), teus olhos murmuram perdão (eles falam mais alto que qualquer som).
Não conseguiria conter a decepção ao te ver saindo, deixando lá dentro todo teu orgulho. Quantas portas são preciso fechar para que se abra a janela certa?
Teus olhos me fitam através da cortina, mirando com raiva a árvore que julgas me encontrar, mas ainda permaneço atrás da porta (escuto tua respiração e teus suspiros).
A porta continua fechada, não me arrependo, poderia estar aquecida e entediada, no entanto, aqui fora passo frio, mas me entretenho com teu sofrimento.

sexta-feira, setembro 21

ligação

Sentiu a gota descer a face, chegar no queixo, deixou que caísse e fez-se o silêncio. Escutou com atenção o barulho chegando no chão, se certificou que do outro lado da linha ela tenha ouvido também. Fechou os olhos lentamente, deitou o rosto sobre a mão, e colocou com calma o telefone no gancho enquanto os seus últimos soluços eram ouvidos.

***

Confiante, foi até o telefone. Um pé depois o outro, rugindo sobre o chão, riscando o caminho sem motivos, era tudo inevitável e não haviam voltas. Não ousou olhar o aparelho, apenas segurou, discou oito números. Pra final feliz do seu objetivo e infelicidade pessoal, do outro lado da linha atenderam.
- A Julia, por favor, a Julia está?
- É ela. Quem é?
- Julia! Oi, bem, sou eu...
- Ah, tu.
Ouviu a respiração dela, parecia impaciente apesar de calma, conseguia ouvir o som das palpebras repetidamente, o tique que ela tanto odiava, mas que despertara várias vezes seu desejo naqueles meses em que estiveram juntos. Continuava linda, ouvia pela voz do outro lado da cidade, a pequena Julia ainda tinha o encanto que tanto procurou em outros por aí, que nunca encontrou.
- Fala.
- Oi? Ah, sim... Sabe o que é, Julia...
- Sei.
- Sabe o quê? Eu nem falei nada, eu tava dizendo quê,
- Eu sei, eu sei, mas fala logo.
- Tu tá ocupada?
- Não, mas posso ficar daqui a pouco. Fala.
- Não, é que sabe, sei lá, faz tanto tempo e tudo mais, eu queria saber, sabe, só saber mesmo, como vão as coisas, não sei, tá tudo bem com a tua mãe, teu irmão?
- Aham. Sei. Minha mãe tá bem. O Lucas também.
- Que bom, Júlia.
Por alguns instantes deixou que o silêncio permanecesse e ouviu a respiração dela, sentiu-se mais tranqüilo, no fim não era tão ruim falar com ela depois de tanto tempo, tantas brigas, afinal a antiga afinidade que tinham ainda se mantinha.
- Era só isso? Então tch,
- Não, espera, espera. Tá todo mundo bem mesmo? A tua mãe, digo, ela vai bem, e a diabetes, tá bem?
- Tá bem melhor, ela tá ótima, super feliz.
- Mesmo, Julia?
- Quer falar com ela? Ô MÃE, VEM AQUI.
- Não precisa, não precisa, oi Dona Ana, tudo bem com a senhora?
- Tudo sim e tu, meu anjo, como que vai a vida? Não liga mais pra gente.
- Aqui vai bem, Dona Ana, ando meio ocupado.
Dona Ana sempre carinhosa, quisera tantas vezes que Julia tivesse herdado não só o charme, mas a doçura da mãe. Pretenção de mais, sabia, mas sempre quisera.
- Passa pra Julia, Dona Ana? Precisava, quer dizer, queria falar com ela. Passa pra ela?
- Claro, meu anjo, já passo. JUUUULIA, querida, pega aí o telefone.
Ouvia para alívio próprio a voz dela chegando mais perto.
- Ainda tá aí? Já disse, tá tudo bem aqui. Não era só isso? Que tu quer?
- Tá brava comigo, Julia?
- Não é nada disso. Olha, desculpa ser grossa, mas pra que tu ligou?
- Nada. Eu só...
- Só o que?
- Queria saber como vai tua vida, tuas coisas, teus...
- Não, eu não to namorando. Larguei a faculdade, vou fazer direito. Comprei um cachorro. Tô ótima.
Ótima? Acabara de ouvir que iria fazer direito, logo direito, e ainda achava que cabia na mesma frase em que assumia tal ato um "tô ótima". Talvez a velha Julia tenha mesmo perdido o seu brilhantismo por aí, como ouvira dizer.
- Direito? Legal.
- Aham.
- É.
No fim a Julia também tinha conseguido tocar a vida. Os dois tinham conseguido, os dois viviam bem, mas ele ainda sentia que faltava algo, algo que talvez tivesse ficado nela. Lembrou de quando iam ao teatro nos domingos, dos sorvetes que dividiam, dos sorrisos que dava ao vê-la vindo no portão...
- Tá, e aí? Vai ficar no telefone a noite toda?
- Por quê?
- Porque já faz tempo que tu ligou e ainda não disse nada com nada.
- Tem compromisso?
- Não, não sei, talvez.
- Ah.
- Tem mais alguma coisa que tu queira saber?
Poderia ter dito que ainda via ela como antes, ainda sentia seu cheiro quando chove, que vive pensando nela, que as pessoas não tem mais a mesma cor, que não consegue mais comer sorvete porque o gosto ficou amargo, e existem dias que parecem que nem existem só pelo sentimento da distância, que na verdade é inventada. Mas ao invés disso segurou com força o telefone e terminou a conversa.
- Acho que não.
- Tá, então tá.
- Tá.
- A gente se fala.
- É.
- Então tchau.
- Tchau.
Julia ouviu um barulho estranho, mas jamais se perguntou do que tratava, e nem achou que tivessem importância os soluços baixinhos do outro lado da linha.