quinta-feira, outubro 26

O cão.

A mãe entrou na sala. Ouviu latidos. Que cachorro do inferno. Os latidos ficaram mais fortes. Fica quieto. Mas o cão continuava. Vai apanhar se eu te pegar. Não adiantava, ainda se ouvia os gritos. A mãe começou a procurar o cão afim de repreende-lo. O latido parou. Onde diabos tinha se metido aquele cão. Nada. De repente tudo ficou quieto. Nem um sinal do pobrezinho. Olhou em volta... o sofá, a teve, a mesa. Nenhum ruido, nenhum choramingo ou som de patas correndo. Eu falei pra não comprar esse cachorro, agora veja só. Silêncio. O cão nem pra dar o ar da graça. O tapete estava em ordem, o pote de comida cheia. Já tinha procurado em tudo, ele sumira. Vagava pela casa olhando em cada canto. Viu a fresta da porta. Faltou olhar o quarto da Julia. Entrou no quarto da filha. A filha via tevê imovel. A cortina balançava. O vento que vinha da janela era a única coisa que dava vida ao local. Olhou em baixo da cama. Nem sinal. A filha olhou pra mãe, voltou a olhar a tevê. Procurou no canto atrás da mesa. Desisto. Foi se arrastando até a porta. Ah, quase esquecera de perguntar. Julia, cade aquele cão? Julia encarou a mãe. Passaram se cinco segundos até que ela mudasse a direção do olhar pra janela aberta. A brisa tocava o rosto com serenidade. Ainda podiam ouvir o vento gemendo de desespero. Depois de permanecer mirando a janela, voltou a olhar a tevê. Julia não precisou de palavras pra que a mãe finalmente entendesse aonde foi parar o cão.

ps: ficou uma droga mas eu juro que a idéia era boa.

quarta-feira, outubro 25

Coelho.

Eu queria escrever um texto sobre coelhos.
Mas eu sequer gosto deles.
Nada contra, mas não sou muito fã.
Eles são fofinhos de mais. Iguais de mais.
Todos eles são assim - fofinhos. Me soa falso.
Não é como cavalos, que eu não gosto mesmo.
Tipo bicho feio, sabe?
De coelhos eu só não tenho nenhuma afeição.
Não tenho nada pra escrever sobre eles.
O texto que eu comecei tava patético de mais e eu apaguei.
Então eu só vou postar isso em homenagem ao Lennie.
Afinal ele não conseguiu os coelhos pra criar.
Ele merecia os coelhos, mesmo.
E eu queria escrever um texto de coelho pra ele.
Na verdade era mais pra mim.
Pra mim me sentir bem e tudo mais.
Mas azar, é só pra postar.


*Em memória de Lennie Small*

segunda-feira, outubro 23

Esquecendo.

A gente esquece sem querer?

Eu, definitivamente, sou um exemplo disso.
Vivo esquecendo tudo. O dinheiro. O celular. O estojo. De vez enquando esqueço a alegria por aí.

Mas o problema não é bem esse. Tem aquela coisa toda de quando envolve mais gente. Um livro que você prometeu emprestar. Um trabalho em dupla, a máquina pra filmar o evento, ou o número do apartamento dela.
-Tu vem aqui a dois anos, podia saber o número do apartamento, né?
-Mas é que tu tá sempre aqui em baixo quando eu chego, pra que eu ia decorar?
-Não é questão de decorar, tu devia saber.
-Não é que eu não saiba, eu só esqueci...
-Mas não devia.
-Não devia o quê? Esquecer?
-É, não devia esquecer nunca.
-Mas Ana... é só o número do apartamento, que importa?
-Que importa? Eu não sou importante pra ti?
-Ai Ana, claro que é...
-Então? Se eu sou tão importante assim pra ti porque tu esqueceu a porcaria do número do meu apartamento?
-Vai fazer escandalo por causa do número do apartamento?
-Agora eu sou escandalosa. E depois diz que gosta de mim.
-Não foi isso q... Ana, Ana, olha pra mim... Tu sabe que eu gosto de ti...
-Se gostasse não ia esquecer o número do apartamento.
-Ah Ana! É só a porc... não, não vai embora! Péra! Ana... É quinhentos e um! Quinhentos e um! Agora eu lembrei!
-Aposto que se eu perguntar daqui a quinze minutos tu nem lembra.
-Lembro sim. Quinhentos e um. Quinhentos e um. Decorei ó. Pode perguntar. Quinhentos e um.
-Tá... Tudo bem... Deixa assim. Já são três horas. Amanhã eu vou ver se tu sabe mesmo.
-Sei sim. Quinhentos e um, ó. Quinhentos e um.
-Tá, tá. Esquece. Eu to com pressa. Agora toma o teu presente.
-Ah, brigada.
-Eu não sabia se tu queria verde ou vermelho, dai comprei verde.
-Tá.
-Dá pra troca qualquer coisa.
-Aham.
-Er...
-Que foi?
-E o meu?
-Teu? Teu presente?
-É, meu presente. Tu não esqueceu que dia é hoje, né?

quinta-feira, outubro 19

Eu não gosto de você.

Não gosto mesmo.

Não é por você ser magra de mais ou por ter o cabelo muito curto. Não faria diferença se você fosse linda de morrer. Mas sabe, eu não gosto de você por inteira. E nem do jeito que você anda e nem como você pergunta o tempo todo que horas são.

Pra que você quer saber que horas são? Parece que tem sempre outro compromisso, que quer ir embora logo, que tá torcendo pro tempo passar rápido e poder ir fazer qualquer coisa que não seja estar ali comigo. E você ainda ri. E ri mostrando os dentes. Eu detesto quando você mostra os dentes. Parece que quer exibir como os vários anos de aparelho fizeram efeito. Olha como eu sorrio bonito. Preferia que você tivesse dentes tortos. Seria mais sincero.

Tem dias que você ainda se veste de preto pra mostrar que tá triste. Uiuiui eu sou depressiva-suicida. Olhem pra mim. Rídiculo. E daí se eu falo isso, logo fica nervosinha e me diz que não é suicida, que é bipolar. Que eu tenho que entender. Eu não tenho que entender nada. Eu nem gosto de você.

E aquela sua mania de assobiar a nona sinfonia. Ninguém gosta(você gosta?). Aposto que se Beethoven resucitasse ele se arrependeria de ter feito essa música, porque você assobia ela de mais. Não tinha música mais chata, não? Aposto que faz só pra provocar. Porque sabe que eu odeio a sua voz e principalmente o seu assobio. Mas não, ela tinha que assobiar a nona sinfonia o tempo todo. Só pra depois dizer que sabe tocar no piano. Como se tocar piano fosse muito díficil. Como se só porque a música é velha pra caramba ela fosse bonita. E você também não é bonita.

Não posso esquecer que você fala francês fluentemente. Acho que se eu fosse pra França me mataria no segundo dia, porque você simplesmente arruinou a minha idéia do francês. Tudo que vem de você é tão frustante, que tenho medo de andar em algumas ruas ao seu lado e nunca mais ter vontade de voltar nelas. Eu parei de desenhar porque você também desenhava. E desenhava tão sujo que me deixava broxante pra sequer pegar num lápis.

E eu detesto o modo como você me olha. E você não olha no olho. Eu odeio tanto, mas tanto quando você não olha no olho. E você não olha o tempo todo.

terça-feira, outubro 17

A borboleta suicída

Todos almoçavam sem culpa. Era uma terça-feira normal, ou era pra ter sido uma terça-feira normal. Se não fosse pela borboleta suicida, ainda seriamos os mesmos. Mas ela veio. Ela veio e logo se foi, mas tenho certeza que não foi só em mim que deixou uma sensação de que a vida poderia ser dividida em o "antes e depois da morte da borboleta".

O almoço era pobre e ruim como sempre, cantina de colégio nunca foi famosa por comida boa. O atendimento é que tem que ser rápido, e naquele meio dia até que foi bem ágil. Talvez se tivesse sido mais devagar algum atrapalhado teria esbarrado na pobre borboleta e a livrado dá terrível morte. E ó, coitadinha, teve um horrível fim.

Contam as más linguas que ela já vinha cambaleando, meio torta da vista ou embreagada. Eu discordo, pois era tão jovem e cheia de vida que dava até inveja. Mas isso não importa, a borboleta deslizava pelo ar na sua inocência visível, sem saber do seu triste futuro.

E eu vi, eu vi quando ela se aproximou. Aqueles segundos ficaram guardados na minha memória e sem dúvida na de todos que ali se encontravam. Ela se aproximou e tombou a primeira vez.
Nada. Ainda estava quase intacta. O primeiro choque passou despercebido e sem ferí-la. Mas ela não teve a mesma sorte duas vezes. Quando deu de cara(e corpo) novamente no ventilador, juro que vi metade da borboleta, assim sem enrolações, cair prum lado, e a parte final, pro outro.
Não foram só os gritinhos agudos das damas no local que me atrapalharam a refeição, ou as duas partes caindo no meio do refeitório, mas também a culpa que me consumiria por anos por ter estado tão perto e não ter feito nada.

Suicídio. A borboleta tinha cometido suícidio. O pânico se adonou de mim e por alguns segundos tive vontade de mergulhar no ventilador como a pobre borboleta. Mas logo meus desejos foram cortados pelo som irritante de algum mastigar. Este, que ao olhar pro lado descobri ser da menina que se encontrava sentada na minha frente. E ela inocente, não havia notado o trágico e inconsolável acidente que havia acontecido bem diante dos seus olhos.

sexta-feira, outubro 13

Fontes

Esse tipo de fonte que a gente usa pra escrever aqui no editor de texto é muito ruim.
Quem tem um blog no blogspot sabe bem.
É tipo, sem graça, sabe?
Tipo Times New Roman ou Arial(embora eu tenha quase certeza que é T.N.R).
E ainda tem esses "pauzinhos" em algumas letras. QUE DIABO DE GENTE ME POEM ISSO NAS LETRAS?
Eu não sei se dá pra entender do que eu to falando, mas tem até um nome.
Fonte Serifada, segundo meu pai.
Serifada, serifada, serifada... só o nome já é muito feio e desanimador.
Agora tu olha pra fonte(em alguma janela aí tem uma fonte serifada, sempre tem) e me diz, como as pessoas aguentam olhar pra ela? São pauzinhos, miseros pauzinhos que estragam tudo! Estraga toda a magia da fonte, da palavra, do texto. Me deixa estupefada!

Agora olha, olha esse post. Olha essa fonte. Olha que mágica, que magnifico ler elas. Olha bem, olha e me diz, não é lindo? Não é meigo? Elas são redondinhas e perfeitinhas e preenchem tudo que precisa no espaço. Não invade ele com "pedacinhos" de nada. Elas são organizadas, atraentes, interessantes.
Elas são de familia, sabe? De familia.
Tem que dar valor pra elas e dai elas vão te mostrar como tudo é lindo.
Elas me deixam mais feliz - juro - e me encantam quando eu olho pra elas.
Mas não é só não ser serifada, tem que ser especial. Tem algumas fontes que são assim.
Que são atraentes e me deixam até nervosa, que tem a essência da palavra nelas, que carregam toda a responsabilidade e o peso de serem esse meio de comunicação.
Elas são simplesmente apaixonantes, simplesmente libertam tudo de bom em mim.
Eu leio e fico reluzente, e fico excitada de prazer com o texto todo, com a música toda que elas sopram nos meus ouvidos.
Fico excitada com a imagem perfeitamente desenhada na tela.
Como se fosse escrito por gente, como se fosse sem querer mesmo sendo muito padrão pra ser sem querer. Mesmo assim ela me vem sem querer e de repente eu olho pro lado E DEU. DEU. Eu to infeitiçada por ela, completamente louca de desejos.
E ainda tem o modo como ela me invade sem pedir licença e me marca e me marca e me deixa cicatriz pelo corpo inteiro como depois de uma noite inteira de prazer dolorido. E a dor que ela deixa vai fundo. Vai fundo e chega no coração e chega em tudo me matando aos poucos.
Me maxuca como punhal, me tortura.
Mas quer saber? Eu gosto.

Do you like to hurt?
I do. I do.
Then Hurt me.


Eu tava falando do que mesmo? De fontes?

terça-feira, outubro 10

Impotente.

Eu não aguento mais começar meus textos com "ele" e "ela". E o texto todo ser ele e ela prá cá, ele e ela pra lá. Isso cansa, sabe? Eu até tento botar uns nomes no meio, mas ainda fica muito ele e ela, ele e ela, ele e ela!
Sei lá. Eu não sei mais escrever textos.
(Como se eu alguma vez o soubesse)
As palavras tem me parecido vazias e isso me irrita.
Então acho que vou procurar algumas palavras novas, alguns temas novos, não sei.
Alguma coisa pra inovar.
Um outro assunto.
Ventilador de teto, de repente. Tem tanta coisa pra se falar deles.
Qualquer coisa. Mas hoje não.
Hoje eu só quero me lamentar como eu não sei escrever e como não tenho mais o que escrever.
E que esse blog é uma porcaria.
E que só não deleto porque me apeguei a ele.
Tenho uma necessidade de escrever nele e pensar que ninguém lê. Que não tem do que se esconder ou ter vergonha.
Que ninguém vai ver entre as linhas o que eu sinto em relação as coisas faladas e que ninguém vai desvendar meus segredos ou a minha mente lendo tudo isso.
Afinal é só um blog de crise existencial adolescente.
Ah não, esse é o outro blog. Esse qui é o de textos falidos mesmo.
Toda escritora frustada tem seus textos falidos que insiste em continuar escrevendo.
Não flui, não sai, não tem nada aqui que eu consiga passar direito.
É muito desabafo e pouco romance.
Mas eu continuo firme e forte. Tentando como um homem velho que tenta ter uma ereção e não consegue.
Insistente de mais.

É como disse o bacana do Luis Fernando Verissimo numa das suas incriveis crônicas:
"E a minha literatura, broxa".

É isso aí, eu estou impotente.

segunda-feira, outubro 2

Ele e ele

Vinha de dentro, bem de dentro mas ambos sabiam que vinha.
Talvez todos a volta também soubessem.
Era provavel, pois não havia misterio em decifrar os sorrisos deles.
Embora eles ainda se enganassem, e fingissem não sentir esse turbilhão de sentimentos que só seria mais obvio se saisse no jornal.

Em um a gente via a alegria tremenda, os sentidos aguçados.
Ele vinha faceiro e sorrindo nos últimos tempos.
Em outro a gente ouvia a canção de amor que falava deles mesmos.
Ele cantarolava alguma coisa bem brega todos os dias.

Ele nem gostava dessas coisas, tinha o corpo pra aproveitar.
Era de todo mundo e todo mundo era dele também.
Romance é coisa de livro, eu não sei me apaixonar. O brilho no olhar não mente, meu rapaz.
Ele era surdo.

Abraçados como um só, eles riam juntos. Apenas amigos, aham.
Embora um pro outro os lábios ainda fossem virgens, o coração já tinha sido violado.

Eu tenho até namorada. Ele justificava.
Que pena pra ela, que pena pra ela.