sexta-feira, junho 15

O homem

Ele cambaleava na rua e se não fosse a perna que arrastava e o olhar de louco que fazia as pessoas, eu nunca teria percebido sua tamanha solidão.

Tinha família, ou tivera família há pelo menos um tempo atrás, pois era bem vestido e não parecia muito capaz de fazê-lo sozinho. Alguém cuidava dele, não necessariamente por preocupação, talvez por dever, dava banho, alimentava, e afinal, não tinha cara de quem não tem uma cama pra dormir. No entanto, vagava sem ninguém na rua, como se esperasse que lhe acordassem do pesadelo e fossem devolver a felicidade que teve - ou que sonhou ter.

Vestia uma calça jeans, daquelas curtas, de pescador. Não era uma calça bonita e não ficava tão bem no corpo dele, o que me fez crer que apesar dos cuidados higienicos, quem tomava conta dele não tinha afeto, apenas obrigação de vestí-lo. A camiseta era verde, de um verde bonito, que se via não ser tão desbotado e nem velho, uma dessas camisetas estampadas que se compram em lojas, e quase todas as pessoas do mundo ficam bem nelas, até mesmo esse homem estranho. Não me recordo dos sapatos, mas tenho certeza que não eram calçados bons, talvez um chinelo ou um tênis velho, o que me demonstrou descuidado, e do contrário que aparentava a roupa, não exercia o desejo de mostrar decência, apenas algo para proteger os pés.

Não me parecia bêbado, apenas sozinho. Ou talvez também bêbado, mas bêbado por estar sozinho, e não sozinho por estar bêbado. Era como se ao olhar pra ele pudesse ver toda a sua infelicidade, toda sua desilusão e desgosto para com as pessoas que passavam, e nem sequer o notavam. Personagem de uma sociedade onde andar na rua quando se está morrendo é o mínimo que se espera de algumas pessoas, ele me olhava através do vidro.

Nesse momento em que o vi, tive uma puta vontade de abrir a janela do ônibus, antes que a sinaleira abrisse, e gritar:
- ME ENCONTRA ALI NA ESQUINA QUE EU TENHO UM POUCO DE CARINHO PRA TE EMPRESTAR.