quarta-feira, dezembro 5

gelo

Do que adianta me implorar sinceridade, se quando te falo de melancolia, me calas. Quer me fazer mentir pra mim mesma, mas tapar a boca não apaga a dor, nem o café amargo esconde o doce dos meus olhos. O olhar triste me pertence, e a ti, tu próprio negas, são minhas as tardes cinzas, sou eu quem as faz chorar.
Verdades não são só palavras. Escorrem e transpareço em meu rosto, entender é fluente dessa língua.

Recomendo atenção de mim tu não tiras sons
eu sou só gelo, sentimento
____d
__err
___eten
do.

segunda-feira, novembro 12

pintura de mim

e de repente parece que invadiram a sua festa e disseram ACABOU.

acabou? até que ponto eu me iludo, até que ponto alguma coisa realmente existe. existiu. a tua real posição me assusta, e eu ainda a desconheço. não revele, perde a graça. a coisa mais banal ganha encanto quando não revelada. eu tinha que decorar os textos. foda-se os textos, aquela coisa chamada tristeza me invadiu de novo, o que se faz? se aceita. é isso que eu digo pra mim todo dia, mas na hora não sei, na hora parece que morri um pouco e não consigo reagir, não consigo nem aceitar e nem não aceitar. inércia é exagero, mas me sinto meio atordoada, meio tonta, caminhando sem direção. eu estou sentada. eu tinha que fazer tanta coisa, estudar, me esforçar, me cuidar, ler mais, escrever mais, sorrir mais. pensar menos.

pular da ponte é um conjunto de palavras que tem me ocorrido bastante. mas que ponte, mas que ponte. não tem ponte nenhuma, ainda bem, se tivesse, de certo eu pularia. sempre haverá as janelas, mas ah! janelas são tão sem graças que até já tem um nome... se defenestrar. defenestrar. defenestrar. analista de bagé. comunidade no orkut. sei lá. pular da janela não tem graça, por enquanto continuar por aqui até a tristeza passar (anda mais rápido ok eu tenho mais o que fazer) ponto

terça-feira, novembro 6

Cobaia 3

B - Tem certeza?
A - Sim. Tenho.
B - Mesmo?
A - Já disse que sim.
B - Eu sei que você já disse que sim, só queria estar completamente ciente de que é isso que você quer.
A - Tá.
B - É isso que você quer?
A - O quê?
B - Você sabe... Isso.
A - Ah... Isso.
B - É. Isso. E aí, você quer mesmo?
A - Claro que quero, por que não ia querer?
B - Vou saber, você é estranha.
A - Entre nós dois, pode ter certeza que a estranha não sou eu.
B - O que você quer dizer com isso?
A - Nada.

(...)

B - Por quê?
A - Por que o quê?
B - Por que você quer isso?
A - Não sei, eu só quero, tá legal?
B - Tá legal.

(...)

B - Só quer?
A - Hein?
B - Você só quer mesmo?
A - Só quero.
B - Será realmente que você "só quer"? Eu acho que tem outra coisa por trás disso.
A - Como assim?
B - Assim, eu não acho que seja só isso, como você diz.
A - Sim, essa parte eu entendi. Mas o que tem por trás disso?
B - Me diga você, é você quem o está escondendo.
A - Eu não estou escondendo nada.
B - Mentira.
A - Verdade.
B - Mentira.
A - Verdade.
B - Viu, você está escondendo, se não teria me dito o que era.
A - Não é nada!
B - Tudo bem, eu já entendi, não precisa me dizer se não quiser.
A - Ok.

(...)

A - Eu não estou escondendo nada.
B - Tá, tá.
A - É sério.
B - Sei.

(...)

A - Olha, eu não tenho nem porque esconder alguma coisa.
B - Eu não estou dizendo nada.
A - Não tenho nada a esconder.
B - Por mim tudo bem.
A - Sério mesmo, não tem nada por trás disso.
B - Certo.

(...)

B - Me diz uma coisa.
A - O quê?
B - Você é espiã ou alguma coisa do tipo?
A - Como?
B - Espiã... Aquelas pessoas que espionam, sabe?
A - Sei.
B - E aí, você é?
A - Espiã?
B - É!
A - Não, por quê?
B - Não mesmo?
A - Não.
B - Também, se fosse, você não me diria.
A - E por que não?
B - Você diria?
A - Ué, de repente...

(...)

B - Escuta só, eu não vou cair nessa de "se eu fosse eu contaria". Você é uma espiã e não quer me dizer.
A - Não sou.
B - Tudo bem você ser, acontece.
A - É, tudo bem, mas eu não sou.
B - Me prove.
A - Que eu não sou espiã?
B - Não, que você é uma galinha.
A - Ahn?
B - É, que você não é espiã. Me prove.
A - Ah tá.
B - Então, prove.
A - Espera aí, estou pensando.
B - Você pensa devagar pra uma espiã.
A - Mas eu não sou espiã.
B - Não fica querendo me enganar, figir que está pensando, ir no banheiro sair de fininho. Nada disso, agora eu já descobri, você é uma espiã e não tem nada que me faça mudar de opinião.
A - Olha cara, eu não sei o que está acontecendo, e nem da onde você tirou isso, mas eu não sou uma espiã.
B - Hehehe, tá, conta outra. Você não é espiã e eu sou um maniaco.
A - E o que tem de absurdo nessa frase?
B - Vamos fazer o seguinte: esqueça essa conversa, tá?
A - Perfeito. Outra solução melhor não teria.
B - Ótimo. Então isso nunca aconteceu.
A - Exatamente.
B - Isso.

(...)

B - Você vem sempre aqui?
A - Isso é uma cantada?
B - Depende, você quer que seja?
A - Céus! Não!
B - Não.
A - Não?
B - Não é uma cantada.
A - Que bom.

(...)

B - Hein?
A - O quê?
B - Você é sempre meio devagar ou é só hoje?
A - Eu não sou devagar.
B - Tá bom, então responde.
A - Responder...?
B - A pergunta.
A - Isso eu entendi.
B - Então por que não responde?
A - Porque...
B - Tá, eu perguntei se você vem sempre aqui.
A - Isso!
B - Isso o quê?
A - Não conseguia lembrar...
B - Não diga!
A - É... eu venho às vezes.
B - Que bom. É um lugar agradável, não?
A - Às vezes, às vezes...
B - Por que só às vezes?
A - Porque tem outras que não são agradáveis.
B - Eu perguntei o motivo.
A - Ah bom... porque sei lá, às vezes eu posso simplesmente ficar aqui sentada e tudo bem, já outras...
B - Se você diz. Mas eu gosto bastante daqui.
A - Que bom.
B - É bom mesmo.

(...)

B - Você vai ficar aqui o dia todo?
A - Não, já tava indo. Por quê?
B - Nada, só pra saber.
A - Tá bom.
B - Você não vai?
A - O quê?
B - Ir embora.
A - Daqui a pouco.
B - Tinha entendido que era agora.
A - Não. Mas pensando bem, vou indo.
B - Então tá.
A - Tchau pra você.
B - Tchauzinho. Até breve.
A - É... tchau.
B - Hei!
A - O quê?
B - Pode ficar tranqüila.
A - Com o quê?
B - Prometo não contar pra ninguém que você é uma espiã.

sábado, outubro 20

Amanda

nunca terminei, mas acho que nunca vou terminar mesmo.

Vindo da capital, é só seguir a grande avenida, a da igrejinha, dobrar na segunda sinaleira à direita, onde tem uma parada de ônibus quase caindo os pedaços, como todas as outras coisas na cidade. Depois virar na primeira esquina com uma casa de madeira à esquerda, e seguir reto até encontrar uma ruazinha do lado do Santa Rosa, um mercado onde trabalham atendentes de caixa super simpáticas, depois é só entrar nessa rua e seguir até o fim, é uma rua sem saída, e bem no final tem a casa da Amanda.

Amanda não gosta das atendentes do mercadinho da esquina, e nunca notou a simpatia delas. Ela só enxerga um rostinho bonito em cada uma delas, e as enoja, rejeitando qualquer diálogo que demonstre afeto com estas criaturas doces. Pensa saber tudo sobre elas, e as odeia. Não que sejam burras, ou mediocres, Amanda sabe muito bem que o quê sente é inveja, e seu jeito sem-graça, que faz chorar quem a olha, impede que ela perceba nas atendentes um escape para solidão, uma oportunidade para sair do seu mundo fechado e viver alguma coisa nisso, que todos estes anos ela tem chamado de vida. Mas nunca chegariam perto disto, nem se as atendentes quisessem, e não querem, só porque são bonitas. E isto basta.

Amanda também não simpatiza com a igrejinha, mas não por ser uma igreja, ela até é bastante religiosa, mas não gosta dos peixes pintados na lateral direita, e nem do azul quase-anil que cobre o telhado. Ela implica com a cor desde que era criança. Amanda sempre quis ter os olhos azuis, mas o castanho que a pertence é tão intenso que para chuva em dias de inverno.

segunda-feira, outubro 1

(coração gelado)

Faz frio aqui fora.
Penso que se talvez eu tivesse te dito uma ou duas palavras de afeto antes de explodir, tu sentirias pena e me deixarias entrar. No entanto, o que vale mais: a hipocresia ou o frio? (eu sei o que dói mais.)
Minhas palpebras congelam a retina ao encostar no olho, meus dedos estremecem ao olhar pra porta. Amanhã mesmo já estara tudo bem, a briga que tivemos não vale nada.
Mais uma das minhas crises e tu nunca mais me deixa voltar, dessa vez passa, mas e da próxima? Quantas vezes mais tu aguentas que eu diga que tu és uma ingrata, uma puta, uma chata?

Tu nem consegue responder a minha altura. Tua voz não vale nada (ela é completamente anulada com a presença de luz ao teu redor), teus olhos murmuram perdão (eles falam mais alto que qualquer som).
Não conseguiria conter a decepção ao te ver saindo, deixando lá dentro todo teu orgulho. Quantas portas são preciso fechar para que se abra a janela certa?
Teus olhos me fitam através da cortina, mirando com raiva a árvore que julgas me encontrar, mas ainda permaneço atrás da porta (escuto tua respiração e teus suspiros).
A porta continua fechada, não me arrependo, poderia estar aquecida e entediada, no entanto, aqui fora passo frio, mas me entretenho com teu sofrimento.

sexta-feira, setembro 21

ligação

Sentiu a gota descer a face, chegar no queixo, deixou que caísse e fez-se o silêncio. Escutou com atenção o barulho chegando no chão, se certificou que do outro lado da linha ela tenha ouvido também. Fechou os olhos lentamente, deitou o rosto sobre a mão, e colocou com calma o telefone no gancho enquanto os seus últimos soluços eram ouvidos.

***

Confiante, foi até o telefone. Um pé depois o outro, rugindo sobre o chão, riscando o caminho sem motivos, era tudo inevitável e não haviam voltas. Não ousou olhar o aparelho, apenas segurou, discou oito números. Pra final feliz do seu objetivo e infelicidade pessoal, do outro lado da linha atenderam.
- A Julia, por favor, a Julia está?
- É ela. Quem é?
- Julia! Oi, bem, sou eu...
- Ah, tu.
Ouviu a respiração dela, parecia impaciente apesar de calma, conseguia ouvir o som das palpebras repetidamente, o tique que ela tanto odiava, mas que despertara várias vezes seu desejo naqueles meses em que estiveram juntos. Continuava linda, ouvia pela voz do outro lado da cidade, a pequena Julia ainda tinha o encanto que tanto procurou em outros por aí, que nunca encontrou.
- Fala.
- Oi? Ah, sim... Sabe o que é, Julia...
- Sei.
- Sabe o quê? Eu nem falei nada, eu tava dizendo quê,
- Eu sei, eu sei, mas fala logo.
- Tu tá ocupada?
- Não, mas posso ficar daqui a pouco. Fala.
- Não, é que sabe, sei lá, faz tanto tempo e tudo mais, eu queria saber, sabe, só saber mesmo, como vão as coisas, não sei, tá tudo bem com a tua mãe, teu irmão?
- Aham. Sei. Minha mãe tá bem. O Lucas também.
- Que bom, Júlia.
Por alguns instantes deixou que o silêncio permanecesse e ouviu a respiração dela, sentiu-se mais tranqüilo, no fim não era tão ruim falar com ela depois de tanto tempo, tantas brigas, afinal a antiga afinidade que tinham ainda se mantinha.
- Era só isso? Então tch,
- Não, espera, espera. Tá todo mundo bem mesmo? A tua mãe, digo, ela vai bem, e a diabetes, tá bem?
- Tá bem melhor, ela tá ótima, super feliz.
- Mesmo, Julia?
- Quer falar com ela? Ô MÃE, VEM AQUI.
- Não precisa, não precisa, oi Dona Ana, tudo bem com a senhora?
- Tudo sim e tu, meu anjo, como que vai a vida? Não liga mais pra gente.
- Aqui vai bem, Dona Ana, ando meio ocupado.
Dona Ana sempre carinhosa, quisera tantas vezes que Julia tivesse herdado não só o charme, mas a doçura da mãe. Pretenção de mais, sabia, mas sempre quisera.
- Passa pra Julia, Dona Ana? Precisava, quer dizer, queria falar com ela. Passa pra ela?
- Claro, meu anjo, já passo. JUUUULIA, querida, pega aí o telefone.
Ouvia para alívio próprio a voz dela chegando mais perto.
- Ainda tá aí? Já disse, tá tudo bem aqui. Não era só isso? Que tu quer?
- Tá brava comigo, Julia?
- Não é nada disso. Olha, desculpa ser grossa, mas pra que tu ligou?
- Nada. Eu só...
- Só o que?
- Queria saber como vai tua vida, tuas coisas, teus...
- Não, eu não to namorando. Larguei a faculdade, vou fazer direito. Comprei um cachorro. Tô ótima.
Ótima? Acabara de ouvir que iria fazer direito, logo direito, e ainda achava que cabia na mesma frase em que assumia tal ato um "tô ótima". Talvez a velha Julia tenha mesmo perdido o seu brilhantismo por aí, como ouvira dizer.
- Direito? Legal.
- Aham.
- É.
No fim a Julia também tinha conseguido tocar a vida. Os dois tinham conseguido, os dois viviam bem, mas ele ainda sentia que faltava algo, algo que talvez tivesse ficado nela. Lembrou de quando iam ao teatro nos domingos, dos sorvetes que dividiam, dos sorrisos que dava ao vê-la vindo no portão...
- Tá, e aí? Vai ficar no telefone a noite toda?
- Por quê?
- Porque já faz tempo que tu ligou e ainda não disse nada com nada.
- Tem compromisso?
- Não, não sei, talvez.
- Ah.
- Tem mais alguma coisa que tu queira saber?
Poderia ter dito que ainda via ela como antes, ainda sentia seu cheiro quando chove, que vive pensando nela, que as pessoas não tem mais a mesma cor, que não consegue mais comer sorvete porque o gosto ficou amargo, e existem dias que parecem que nem existem só pelo sentimento da distância, que na verdade é inventada. Mas ao invés disso segurou com força o telefone e terminou a conversa.
- Acho que não.
- Tá, então tá.
- Tá.
- A gente se fala.
- É.
- Então tchau.
- Tchau.
Julia ouviu um barulho estranho, mas jamais se perguntou do que tratava, e nem achou que tivessem importância os soluços baixinhos do outro lado da linha.

domingo, agosto 26

nina quer o meu amor

- Eu sou uma idiota mesmo. - Ela disse, e disse na esperança de que eu negasse a afirmação. Não se perde uma oportunidade como essa, de finalmente dizer a Nina o que está entalado na minha garganta a meses.
- Não é verdade. Você não é idiota.
Ela escuta com atenção, começa a corar, eu a sorrir:
- Na verdade, você é MUITO idiota. Uma idiota completa.
Sei que Nina esperava mais de mim, mas não me importo mais com o que ela pensa. E esperava que eu a abraçasse e dissesse como é importante pra mim estar com ela nesse momento, como eu quero voltar no tempo, como eu ainda a amo e como quero tê-la junto a mim novamente. Eu não quero tê-la junto a mim novamente. Ainda a amo, é verdade, mas definitivamente não a quero mais. Não se deixa as pessoas voltarem pro seu coração quando elas o quebraram, a menos que elas tenham um bom motivo, e Nina não tem. Nina só quer o meu amor de volta porque os dois anos em que estivemos juntos eu a tratei como uma princesa. Saíamos sempre, estávamos sempre rodeados de amigos e por mais que ela tentasse me agradar, eu sempre estava um passo a frente com uma surpresa mais interessante pra ela. Me pergunto se algum dia ela gostou de mim e não do modo como eu a fazia se sentir. Talvez eu tenha sido apenas um passatempo, mas não vou ser novamente, porque não vou pegá-la no colo agora que ela está sozinha, só porque se sente carente. Eu também tenho orgulho, e no final das contas quem está chorando arrasada do meu lado é ela, e quem está fazendo piadas sarcásticas sou eu.

sexta-feira, agosto 17

Cobaia 2

A - Tu te acha bonita?
B - Como?
A - Perguntei se tu te acha bonita.
B - Bom... eu...
A - Sim ou não?
B - Eu me acho um pouco.
A - A resposta é sim então?
B - Não, eu não me acho bonita, bonita mesmo. Só um pouquinho.
A - Logo, a resposta é não.
B - Não é bem isso, eu me acho meio-bonita.
A - Você não pegou a idéia. Vou fazer a pergunta de novo. Você se acha bonita?
B - Já disse... meio-bonita.
A - Qual lado seu é bonito?
B - Quê?
A - Você disse que é "meio-bonita", que metade sua é bonita?
B - Não, você não entendeu. Eu não tenho uma parte só bonita.
A - Ah! então você é toda bonita.
B - Não!
A - Entendi... Mas você não devia se sentir feia assim.
B - Não foi bem isso que eu disse, mas esquece. Ah, obrigada.
A - Esqueço. Obrigada pelo quê?
B - Pelo elogio.
A - Elogio? Escuta, não misture as coisas, eu só disse que você deveria se achar bonita, não que eu também a achava.
B - Escuta você, qual o propósito disso tudo?
A - Olha, têm aqueles que dizem que Deus gosta de brincar com marionetes. Têm pessoas que acreditam que o propósito da vida é ter filhos, outros é evoluir até virar uma vaca, varia muito, cada um tem a sua opinião.
B - Não!
A - Sim, realmente têm pessoas que acham isso.
B - Não, você não entendeu. Qual o propósito dessas perguntas?
A - Não sei, você que veio falando de filosofia, eu só perguntei se você se achava bonita.
B - Não é isso! Presta atenção: por que você me perguntou se eu me achava bonita?
A - Pra saber se você se achava bonita, o que mais?
B - Ai. Desisto.

(...)

A - Tu tá esperando o quê?
B - Um garoto.
A - Ele te deu um bolo.
B - Não, eu que cheguei cedo.
A - Ah, é? E que horas vocês marcaram?
B - Bem... Lá pelas quatro horas a gente tinha que se encontrar aqui.
A - E que horas são?
B - Não tenho relógio.
A - Quer que eu lhe diga as horas?
B - Pra quê?
A - Pra você saber que horas são, o que podia ser?
B - Olha, isso não é da sua conta.
A - Tá bom, mas já são cinco e quinze. Talvez você devesse ir pra casa.
B - Não são cinco e quinze ainda.
A - Como você sabe, se não tem relógio?
B - Eu só sei, tá legal?
A - Você é meio ruim com esse negócio de horas. Cinco e dezesseis.
B - Legal.

(...)

A - Bom, ele pode não ter te dado um bolo, propriamente dito. Pode ter acontecido algo.
B - É verdade, foi o que eu pensei.
A - Em todo caso, você deveria ir pra casa.
B - Eu faço o que eu quiser, não se meta.
A - Claro, mas só digo que, se mesmo que eu tivesse me atrasado ou tivesse acontecido algo, eu não iria depois de uma hora e meia no encontro.
B - Bom pra você.
A - Ele pode ter sofrido um acidente, estar no hospital. Em todo caso é mais fácil você ficar em casa e assistir o jornal na teve, sempre aparecem as pessoas que morreram no trânsito.
B - Ele não morreu.
A - Como você sabe?
B - Eu sei que não morreu.
A - Sempre que você diz isso está equivocada. Eu penso que ele morreu sim. Ou está no HPS sendo operado, morrendo de dor, com os rins pra fora, um pulmão cortado e duas costelas fraturadas, nesse momento o médico deve estar tentando salvar uma das pernas, devem estar colocando ele em coma induzido pra não sentir tanta dor... Hei! Por que você está chorando?

(...)

sábado, agosto 11

Bloco do neelic*

Foi logo antes do meu irmão nascer. Eu tinha só sete anos, uma mania estranha e uma paixão.

***

Sete anos todo mundo já teve um dia, não tenho nem o que falar sobre isso, e na verdade eu sempre fui uma criança normal, não há nada que a definição da idade não esteja abrangendo. Eu tinha também uma mania. Uma mania nem tão estranha assim, mas nunca conheci quem a tivesse, então considero minha. Minha mania se resumia em lavar o banheiro. Pode parecer sem graça, mas eis a explicação: eu e meus sete anos sempre que entravámos no banho sentiamos uma tentação enorme, logo depois que me ensabuava. Eu acabava sem perceber lavando as paredes. Qualquer malícia que possa aqui ser imaginada deve ser dispensada, pois eu era uma criança e não pretendia deixar de ser por bons anos seguintes. Pegava então o sabão, a esponja da minha mãe (se ela soubesse...!) e começava a ensabuar determinadamente o box. Mas não era mais um box, eu me imaginava numa manção enorme, onde eu era a dona de tudo e a empregada estava de folga, então me submetia aos seus trabalhos para manter a casa limpa. E eu lavava tudo com muito empenho, ra com certeza a mais esforçada das lavadoras de box. Logo o chuveiro se transformava numa lâmpada e eu me punha a trocá-la, já que a maldita queimava sempre. Essas e outras atividades do lar me causavam boas horas no banho me divertindo. Custumava sair contente, enrolada na toalha, com uma alegria enorme por ter terminado meu trabalho. Minha mãe nem meu pai nunca souberam que eu era tão excelente faxineira, e também se soubessem me poriam a trabalhar em casa, o que não era meu programa predileto.

E foi nessa época em que veio a paixão que falei antes. Era meu primeiro amor, e primeiros amores nunca se esquecem. O nome dele era Marcos. Eme. Recem tinha aprendido a escrever e criei o hábito de chamar as pessoas pela primeira letra. Claro que não funcionava muito, pois eu conhecia um punhado de gentes com as mesmas letras iniciais. Mas não desisti. Por isso Marcos pra mim era Eme, e eu própria, Joana, era Jota. Senhor Eme e Senhora Jota. Sempre escrevia isso no meu caderno, enxia de corações em volta e eu e todas minhas amigas davámos risadinhas. Eme nada sabia de minha paixão, embora eu seguisse ele todos os recreios. Eme era lá do meu colégio, mas era dois anos mais velho e sequer sabia que eu existia. A verdade era que eu tinha notado ele em outro lugar, não no colégio, pois o pai de Eme era do meu prédio, meu vizinho de cima, um fulano de tal que sempre jogava cartas com meu pai e um dia acabei vendo que ele também tinha um filho.

Nesses tempos meus dias se resumiam em escrever cartas para Eme, que nunca eram enviadas, e em ir para escola seguir Eme no recreio. Fiquei obsecada, minha mãe começou a estranhar e volta e meia me perguntava o que eu tinha. Até que eu disse "Mãe, estou amando", ela falou rindo "Amando, filha? Mas tu só tem sete anos", fiquei pasma com a resposta. Como assim eu só tinha sete anos? Então com sete anos não se ama? Eu tinha vontade de dizer que o que eu sentia era amor sim, que amor também era coisa de criança, que dava pra sentir, pra se emocionar, pra chorar. Resolvi fazer alguma coisa para provar para minha mãe que crianças também amam. Nessa época estava convencida de que ele também gostava de mim mas mantinha segredo, e resolvi me declarar. Pensei durante três dias, e pra uma criança de sete anos três dias era muito tempo. Resolvi que iria fazer algo que não fosse esperado. Foi aí que tive a idéia infeliz de mandar uma das tantas cartas que eu escrevia, decidi que aquela infelicidade sem Eme na minha vida não era suportável. Me esforcei, não podia ser mais fácil sofrer do que ser feliz. Perdi muito tempo escrevendo e reescrevendo a carta, rasgando cada vez que um dos dez corações que eu desenhava saia torto. A carta tinha poucas palavras, dizendo apenas isso "Também te amo, devemos juntar nosso amor. Me encontre no balanço verde quarta-feira no recreio. Com amor, Jota.", e mandei para um amigo de uma amiga minha que era da mesma turma que ele e garantiu que tinha entregue em mãos o papel.

Na quarta-feira antes de ir para a escola me arrumei toda, fui até o espelho e rezei. Não custumava rezar muito, era adepta aos que não gostam de encomodar Deus, mas era um caso urgente. Pedi pra ele em voz alta "hoje eu quero parecer bonita". Depois fui pro colégio acreditando que Deus tinha me ouvido e eu estaria bonita. Eu queria de mais estar bonita, Deus não me deixaria na mão, eu tinha certeza. Durante a aula fiquei ansiosa, me preparava para o momento do encontro. Finalmente ele chegou. Fiquei muito tempo no balanço verde. Não tinha ninguém ali, ninguém nunca ia ali e por isso era um lugar perfeito para um encontro. Mas naquela tarde minha colega Julia também quis andar de balanço, tentei expulsar ela do lugar mas a menina insistiu que queria muito andar no brinquedo. Deixei que ela ficasse, afinal Eme e eu podiamos ir para outro lugar depois. Mas o recreio vinha acabando e Eme não chegava. Me desconsolei, resolvi que Deus era mau e tinha me deixado feia, e por isso ele não tinha ido. Fiquei furiosa. Me levantei e segui rumo a aula com passos largos e fortes. Antes de sair do pátio olhei para trás, esperançosa. Vi com atenção que Eme tinha chegado, meio atrasado, mas chegado. Pensei que tudo bem, o amava e podia perdoar seu atraso. Comecei a correr ao encontro dele, desesperada, louca para abracá-lo. Mas ao chegar perto de Eme vi que ele falava com Julia. Vi então eles juntarem as mãos e sairem juntos. Entrei em pânico. Naquele momento me dei conta que Julia também era a Senhora Jota. "Jota de Julia", eu disse em voz alta, enquanto os dois sumiam pelo colégio e as primeiras lágrimas escorriam pelo meu rosto.

***

Meu irmão nasceu uma semana depois. Todas as lágrimas foram esquecidas, fiquei tão encantada com a nova criança, que esqueci o amor perdido. Meu mundo não era só terrores, pois eu tinha, literalmente, uma nova vida nas mãos.

ps: qualquer semelhança é mera coinscidência.
* Neelic - Núcleo de Experimentação da Linguagem Cênica

segunda-feira, julho 30

Minha Luisa

Minha Luisa se perdeu, procuro ela por alguma esquina dessa cidade qualquer, mas me contento com minha presença-fantasma enquanto ainda sobrevivo.Ela era doce, e seus sorrisos eram sinceros, podia ver por trás deles a pureza e a inocência que trazia consigo. Seu coração era cristalino, permitia a todos sentí-la amável e feliz. Hoje minha Luisa fugiu, não levou os sorrisos porque eles não a pertencem mais, e seu coração foi roubado por um moço qualquer que passou frente a ela. Minha Luisa não resiste aos encantos de corações poetas, mesmo a distância reconhece eles, e se entrega, se ajoelha, foge de mim. Insisto em procurá-la, afinal é o que manda a pouca lucidez que tenho desde que ela se foi. Sei que a acharei mais cedo ou mais tarde, ela sempre volta embora não queira. Embora também não me queira. Mas ela me pertence, é a minha Luisa, que eu não tenho mais.

sexta-feira, julho 20

La Lumière

Enquanto ele tinha a lanterna e continuava parado frente a ela, olhando-a como se fosse uma obra de arte, que permenacia perdida vagando por entre a ausência de luz, ela deu mais um passo em meio a escuridão. Ficou esperando algo que pudesse enxergar, mas ele ficou ainda imóvel espiando seus passos que cambaleavam, e deslumbrado com o brilho que ela irradiava no escuro via que podia fazer mais, mas ficou ali se entretendo com sua patética presença.

Ela estava distraída e enquanto chorava encontrou os olhos dele, sem saber da indiferença se instalou nos seus braços, e ele sem se importar deixou que invadisse seu coração e seus olhos gritando sinceridades o fizeram sentir-se culpado por tudo aquilo que não fizera antes.

E ela roubou a lanterna e agora ele se via dando passos em meio a escuridão, sabendo que havia alguém com a luz, mas cessou a busca, permitindo afundar-se na tristeza com o sentimento de que não havia ser suficientemente disposto a ajudá-lo, e mergulhou sozinho como se pagasse por seu castigo.

sexta-feira, junho 15

O homem

Ele cambaleava na rua e se não fosse a perna que arrastava e o olhar de louco que fazia as pessoas, eu nunca teria percebido sua tamanha solidão.

Tinha família, ou tivera família há pelo menos um tempo atrás, pois era bem vestido e não parecia muito capaz de fazê-lo sozinho. Alguém cuidava dele, não necessariamente por preocupação, talvez por dever, dava banho, alimentava, e afinal, não tinha cara de quem não tem uma cama pra dormir. No entanto, vagava sem ninguém na rua, como se esperasse que lhe acordassem do pesadelo e fossem devolver a felicidade que teve - ou que sonhou ter.

Vestia uma calça jeans, daquelas curtas, de pescador. Não era uma calça bonita e não ficava tão bem no corpo dele, o que me fez crer que apesar dos cuidados higienicos, quem tomava conta dele não tinha afeto, apenas obrigação de vestí-lo. A camiseta era verde, de um verde bonito, que se via não ser tão desbotado e nem velho, uma dessas camisetas estampadas que se compram em lojas, e quase todas as pessoas do mundo ficam bem nelas, até mesmo esse homem estranho. Não me recordo dos sapatos, mas tenho certeza que não eram calçados bons, talvez um chinelo ou um tênis velho, o que me demonstrou descuidado, e do contrário que aparentava a roupa, não exercia o desejo de mostrar decência, apenas algo para proteger os pés.

Não me parecia bêbado, apenas sozinho. Ou talvez também bêbado, mas bêbado por estar sozinho, e não sozinho por estar bêbado. Era como se ao olhar pra ele pudesse ver toda a sua infelicidade, toda sua desilusão e desgosto para com as pessoas que passavam, e nem sequer o notavam. Personagem de uma sociedade onde andar na rua quando se está morrendo é o mínimo que se espera de algumas pessoas, ele me olhava através do vidro.

Nesse momento em que o vi, tive uma puta vontade de abrir a janela do ônibus, antes que a sinaleira abrisse, e gritar:
- ME ENCONTRA ALI NA ESQUINA QUE EU TENHO UM POUCO DE CARINHO PRA TE EMPRESTAR.

segunda-feira, abril 30

Cobaia Um

>> PRIMEIRA PARTE RUIM.

A - Você já chorou de raiva?
B - Já.
A - Ah é? E chorou por quê?
B - Porque estava com raiva.
A - Hmm... Quando seu chocolate caiu no chão?
B - Não seja tolo.
A - Quando então?
B - Quando perdi meu emprego. Fiquei super nervosa.
A - Nervosa, sei. Perdeu o emprego? De quê? Diretora cultural do grêmio estudantil do seu colégio? Só se for... Você não trabalhou em lugar nenhum antes de começar a vender roupas na loja do seu pai.
B - TRABALHEI!
A - Calma, calma... vejamos, então você trabalhou. Trabalhou no que álias?
B - Err... Eu, veja bem, eu passeava com os cachorros da vizinha.
A - Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh! Explicado.
B - Mas era um trabalho, não era uma ocupação qualquer. Ela me pagava cinco reais por dia. E eu tinha que estar lá as três horas em ponto, e ela era uma chefe má, muito má.
A - Má? Então porque você chorou quando ela lhe demitiu?
B - Por causa...
A - Por causa?...
B - ...Do dinheiro, oras!
A - Cinco reais?
B - Bom, cinco reais POR DIA.
A - E você trabalhava quantos dias por semana?
B - Dois...
A - Dez reais?! E você chorou de raiva, por dez reais? Sei.
B - CHOREI SIM!
A - Chorou nada.
B - Chorei! Chorei! Chorei! Chorei! Chorei!...
A - Você pode ficar gritando o dia todo, não muda o fato que você chorou por uma bobagem e não de raiva.
B - Eu não chorei por uma bobagem... eu gostava dos cachorros!
A - Mentira.
B - Gostava. Talvez nem tanto, mas gostava.
A - E chorou de raiva por eles?
B - É.
A - Hahahaha.
B - Não ria.

>> FIM DA PRIMEIRA PARTE RUIM.

(...)

B - Eu odeio você.
A - Não me xingue, não fui eu quem demitiu você.
B - Ainda assim odeio você.
A - Você não pode ficar me culpando por tudo que acontece a você.
B - Não estou te culpando, só te odeio.
A - Só odeia?
B - É, odeio.
A - Muito ou pouco?
B - Muito.
A - O quanto?
B - Muito, já disse.
A - Muito-muito ou muito-pouco?
B - Tanto faz. Odeio você.
A - Me odeia mas não sabe o quanto? Tem certeza que isso é ódio?
B - Tenho.
A - E tem certeza baseada em quê?
B - Quê? Não enxe. Eu só odeio você, tá legal? Me deixa em paz.
A - Não posso.
B - Por quê?
A - Não tenho com quem conversar.
B - Procure outro. Você não tem amigos?
A - Não.
B - Sério? Que tristeza.
A - Não é triste, eu gosto de ser assim.
B - Solitário?
A - Claro. Não preciso ter relações com outros pessoas, nem me decepcionar com elas e nem odiá-las. Sou puro de sentimentos.
B - Que bobagem.
A - Não acho.
B - Eu acho.

(...)

A - Você ainda me odeia?
B - Acho que sim.
A - Acha ou odeia?
B - Odeio.
A - Ah.

(...)

A - Ainda?
B - Sim.
A - Mesmo?
B - Mesmo.

(...)

A - Ei.
B - Ainda te odeio.
A - Só ia perguntar que horas são.
B - Três e quarenta e dois.
A - Obrigada.

(...)

A - E agora?
B - Agora o quê? Se ainda odeio você?
A - Que horas são agora?
B - Faz dois minutos que você me perguntou.
A - Devo concluir então que são três e quarenta e quatro?
B - Não sei... deixa eu ver. São três e quarenta e seis.
A - Então não faz dois minutos que eu perguntei.
B - Tanto faz, quatro minutos, que seja!
A - Quatro minutos é o dobro de dois. É o número vezes ele mesmo.
B - Eu sei matemática.
A - Então porque disse que faziam dois minutos que eu tinha perguntado que horas eram?
B - Porque é uma forma de dizer.
A - Uma forma de dizer que você não sabe matemática?
B - Não.
A - Então o que é?
B - Deixa pra lá.
A - Tá bom.

(...)

A - Já são três e cinquenta?
B - Não sei.
A - Olha no relógio pra mim?
B - Pra quê?
A - Porque as três e cinquenta eu tinha combinado de tomar um sorvete. Não posso me atrasar.
B - Você não disse que era sem amigos?
A - E sou.
B - E combinou com quem?
A - Combinei comigo.
B - Ah.
A - Pode olhar que horas são?
B - São três e cinquenta e um.
A - Droga, perdi o horário.
B - Mas foi só um minuto.
A - Não importa, não gosto de atrasos. Deixa o sorvete pra outro dia.
B - Tem certeza? Por que você não vai ver se você ainda não está esperando lá?
A - Não seja boba. Eu estou aqui, não estou lá. Vou outra hora.
B - Você quem sabe. Mas acho que você não ia ter que esperar muito por você mesmo.
A - Não banque a engraçadinha.
B - Certo, certo, desculpe.

(...)

A - Olha só...
B - São três e cinquenta e oito.
A - Eu não ia perguntar as horas.
B - Não?
A - Não. Ia perguntar outra coisa.
B - O quê?
A - Você ainda me odeia?
B - As três e cinquenta e sete eu não odiava, mas agora já odeio de novo.
A - Puxa vida, eu sou mesmo um chato pra você me odiar por tanto tempo.
B - Faz só uma meia hora que eu te odeio.
A - Não é muito pra odiar uma pessoa?
B - Acho que não.
A - Então não sou tão chato assim.
B - Na verdade é, você é insuportável.
A - Eu sei. Estava tentando me iludir.
B - Que bom que você sabe. Já pensou em fazer algo a respeito?
A - Não.

(...)

segunda-feira, abril 16

Berinjela

Tem berinjela aqui em casa. Lembrei de ti porque tu sempre diz que adora berinjela, e como de almoço o que tinhamos era isso, não deu pra não lembrar de ti. Sei que vivo lembrando por coisas absurdas, mas veja bem, somos íntimos o suficiente pra isso, não?O fato é que tem berinjela aqui em casa, e eu lembrei de ti. Mas é uma berinjela feia, meio bege por dentro e com vários pontos pretos nela, parece um bicho morto, alguma coisa como mofo, não sei, só tu pra gostar dessas coisas meio bicho meio mofo. Bem que podiam ser uns morangos, tu nunca gostou de morangos, mas de berinjela tu gosta, tu sempre me diz. Eu não sei se ela tava boa, juro que não parecia, e sabe como são as comidas aqui em casa, um nojo. O aspecto prova isso, e eu nunca me arriscaria a prová-la pra ver se realmente tava velha, com bicho e mofada. É uma berinjela tão feia, tão feia, acho que nem tu que adora comeria, ou pelo menos não muito, te conheço. Sei que parecia que a qualquer momento ela ia pular em mim e me agarrar, eram tantas rodelas que realmente aqui em casa devem ter pensado que eu gosto de berinjela. Até parece, logo eu, que gosto de morangos.

terça-feira, abril 3

Meu bolo? Eles levaram.

Esse é velho, mas tá valendo.

Eles levaram o bolo. O meu bolo. Levaram o meu bolo. Eles levaram. Levaram meu bolo. Meu bolo de aniversário. Eles levaram. Meu aniversário e meu bolo. Eles levaram meu bolo de aniversário. Antes me deram o bolo. Apagaram as luzes e colocaram as velinhas no meu bolo. Mas depois levaram meu bolo. Meu bolo de aniversário. Eles levaram. Apaguei as velinhas e até comi um pedaço do meu bolo. Mas depois eles levaram. Levaram o meu bolo. De aniversário. E no final, eles levaram meu bolo. Não que eu tivesse algum problema em distribuir o meu bolo. Mas eles levaram o meu bolo. Levaram. Nem me perguntaram se podiam levar o meu bolo, mas levaram. Dividiram ele na minha frente e depois, depois levaram o meu bolo. O MEU BOLO. E chegaram a conclusão de me ignorar, e levar o meu bolo embora. E eu voltei de mãos abanando pra casa, porque presentes, eu não ganhei, e o meu bolo, o meu bolo eles levaram.

sábado, janeiro 13

e quando eu chovo.

Frequentemente, eu sento e começo a chover. E não impeço, só deixo que eu sente, e que eu chova. Mas não é assim uma chuva de inverno, é mais uma chuva de outono. E chovo por inteira, dos pés a cabeça, como quem chove sem direção ou porquê. Uma chuva de outono calma, que me invade a alma e atravessa as goteiras - as tão famosas goteiras do corpo. Não é bom, também não é ruim, é chuva. Não SÓ chuva, é chuva e muito mais. E fecho os olhos e vou chovendo até que me coração se alague.



ps: em crise.
ps²: feliz ano novo.