sábado, outubro 20

Amanda

nunca terminei, mas acho que nunca vou terminar mesmo.

Vindo da capital, é só seguir a grande avenida, a da igrejinha, dobrar na segunda sinaleira à direita, onde tem uma parada de ônibus quase caindo os pedaços, como todas as outras coisas na cidade. Depois virar na primeira esquina com uma casa de madeira à esquerda, e seguir reto até encontrar uma ruazinha do lado do Santa Rosa, um mercado onde trabalham atendentes de caixa super simpáticas, depois é só entrar nessa rua e seguir até o fim, é uma rua sem saída, e bem no final tem a casa da Amanda.

Amanda não gosta das atendentes do mercadinho da esquina, e nunca notou a simpatia delas. Ela só enxerga um rostinho bonito em cada uma delas, e as enoja, rejeitando qualquer diálogo que demonstre afeto com estas criaturas doces. Pensa saber tudo sobre elas, e as odeia. Não que sejam burras, ou mediocres, Amanda sabe muito bem que o quê sente é inveja, e seu jeito sem-graça, que faz chorar quem a olha, impede que ela perceba nas atendentes um escape para solidão, uma oportunidade para sair do seu mundo fechado e viver alguma coisa nisso, que todos estes anos ela tem chamado de vida. Mas nunca chegariam perto disto, nem se as atendentes quisessem, e não querem, só porque são bonitas. E isto basta.

Amanda também não simpatiza com a igrejinha, mas não por ser uma igreja, ela até é bastante religiosa, mas não gosta dos peixes pintados na lateral direita, e nem do azul quase-anil que cobre o telhado. Ela implica com a cor desde que era criança. Amanda sempre quis ter os olhos azuis, mas o castanho que a pertence é tão intenso que para chuva em dias de inverno.

segunda-feira, outubro 1

(coração gelado)

Faz frio aqui fora.
Penso que se talvez eu tivesse te dito uma ou duas palavras de afeto antes de explodir, tu sentirias pena e me deixarias entrar. No entanto, o que vale mais: a hipocresia ou o frio? (eu sei o que dói mais.)
Minhas palpebras congelam a retina ao encostar no olho, meus dedos estremecem ao olhar pra porta. Amanhã mesmo já estara tudo bem, a briga que tivemos não vale nada.
Mais uma das minhas crises e tu nunca mais me deixa voltar, dessa vez passa, mas e da próxima? Quantas vezes mais tu aguentas que eu diga que tu és uma ingrata, uma puta, uma chata?

Tu nem consegue responder a minha altura. Tua voz não vale nada (ela é completamente anulada com a presença de luz ao teu redor), teus olhos murmuram perdão (eles falam mais alto que qualquer som).
Não conseguiria conter a decepção ao te ver saindo, deixando lá dentro todo teu orgulho. Quantas portas são preciso fechar para que se abra a janela certa?
Teus olhos me fitam através da cortina, mirando com raiva a árvore que julgas me encontrar, mas ainda permaneço atrás da porta (escuto tua respiração e teus suspiros).
A porta continua fechada, não me arrependo, poderia estar aquecida e entediada, no entanto, aqui fora passo frio, mas me entretenho com teu sofrimento.