segunda-feira, abril 30

Cobaia Um

>> PRIMEIRA PARTE RUIM.

A - Você já chorou de raiva?
B - Já.
A - Ah é? E chorou por quê?
B - Porque estava com raiva.
A - Hmm... Quando seu chocolate caiu no chão?
B - Não seja tolo.
A - Quando então?
B - Quando perdi meu emprego. Fiquei super nervosa.
A - Nervosa, sei. Perdeu o emprego? De quê? Diretora cultural do grêmio estudantil do seu colégio? Só se for... Você não trabalhou em lugar nenhum antes de começar a vender roupas na loja do seu pai.
B - TRABALHEI!
A - Calma, calma... vejamos, então você trabalhou. Trabalhou no que álias?
B - Err... Eu, veja bem, eu passeava com os cachorros da vizinha.
A - Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh! Explicado.
B - Mas era um trabalho, não era uma ocupação qualquer. Ela me pagava cinco reais por dia. E eu tinha que estar lá as três horas em ponto, e ela era uma chefe má, muito má.
A - Má? Então porque você chorou quando ela lhe demitiu?
B - Por causa...
A - Por causa?...
B - ...Do dinheiro, oras!
A - Cinco reais?
B - Bom, cinco reais POR DIA.
A - E você trabalhava quantos dias por semana?
B - Dois...
A - Dez reais?! E você chorou de raiva, por dez reais? Sei.
B - CHOREI SIM!
A - Chorou nada.
B - Chorei! Chorei! Chorei! Chorei! Chorei!...
A - Você pode ficar gritando o dia todo, não muda o fato que você chorou por uma bobagem e não de raiva.
B - Eu não chorei por uma bobagem... eu gostava dos cachorros!
A - Mentira.
B - Gostava. Talvez nem tanto, mas gostava.
A - E chorou de raiva por eles?
B - É.
A - Hahahaha.
B - Não ria.

>> FIM DA PRIMEIRA PARTE RUIM.

(...)

B - Eu odeio você.
A - Não me xingue, não fui eu quem demitiu você.
B - Ainda assim odeio você.
A - Você não pode ficar me culpando por tudo que acontece a você.
B - Não estou te culpando, só te odeio.
A - Só odeia?
B - É, odeio.
A - Muito ou pouco?
B - Muito.
A - O quanto?
B - Muito, já disse.
A - Muito-muito ou muito-pouco?
B - Tanto faz. Odeio você.
A - Me odeia mas não sabe o quanto? Tem certeza que isso é ódio?
B - Tenho.
A - E tem certeza baseada em quê?
B - Quê? Não enxe. Eu só odeio você, tá legal? Me deixa em paz.
A - Não posso.
B - Por quê?
A - Não tenho com quem conversar.
B - Procure outro. Você não tem amigos?
A - Não.
B - Sério? Que tristeza.
A - Não é triste, eu gosto de ser assim.
B - Solitário?
A - Claro. Não preciso ter relações com outros pessoas, nem me decepcionar com elas e nem odiá-las. Sou puro de sentimentos.
B - Que bobagem.
A - Não acho.
B - Eu acho.

(...)

A - Você ainda me odeia?
B - Acho que sim.
A - Acha ou odeia?
B - Odeio.
A - Ah.

(...)

A - Ainda?
B - Sim.
A - Mesmo?
B - Mesmo.

(...)

A - Ei.
B - Ainda te odeio.
A - Só ia perguntar que horas são.
B - Três e quarenta e dois.
A - Obrigada.

(...)

A - E agora?
B - Agora o quê? Se ainda odeio você?
A - Que horas são agora?
B - Faz dois minutos que você me perguntou.
A - Devo concluir então que são três e quarenta e quatro?
B - Não sei... deixa eu ver. São três e quarenta e seis.
A - Então não faz dois minutos que eu perguntei.
B - Tanto faz, quatro minutos, que seja!
A - Quatro minutos é o dobro de dois. É o número vezes ele mesmo.
B - Eu sei matemática.
A - Então porque disse que faziam dois minutos que eu tinha perguntado que horas eram?
B - Porque é uma forma de dizer.
A - Uma forma de dizer que você não sabe matemática?
B - Não.
A - Então o que é?
B - Deixa pra lá.
A - Tá bom.

(...)

A - Já são três e cinquenta?
B - Não sei.
A - Olha no relógio pra mim?
B - Pra quê?
A - Porque as três e cinquenta eu tinha combinado de tomar um sorvete. Não posso me atrasar.
B - Você não disse que era sem amigos?
A - E sou.
B - E combinou com quem?
A - Combinei comigo.
B - Ah.
A - Pode olhar que horas são?
B - São três e cinquenta e um.
A - Droga, perdi o horário.
B - Mas foi só um minuto.
A - Não importa, não gosto de atrasos. Deixa o sorvete pra outro dia.
B - Tem certeza? Por que você não vai ver se você ainda não está esperando lá?
A - Não seja boba. Eu estou aqui, não estou lá. Vou outra hora.
B - Você quem sabe. Mas acho que você não ia ter que esperar muito por você mesmo.
A - Não banque a engraçadinha.
B - Certo, certo, desculpe.

(...)

A - Olha só...
B - São três e cinquenta e oito.
A - Eu não ia perguntar as horas.
B - Não?
A - Não. Ia perguntar outra coisa.
B - O quê?
A - Você ainda me odeia?
B - As três e cinquenta e sete eu não odiava, mas agora já odeio de novo.
A - Puxa vida, eu sou mesmo um chato pra você me odiar por tanto tempo.
B - Faz só uma meia hora que eu te odeio.
A - Não é muito pra odiar uma pessoa?
B - Acho que não.
A - Então não sou tão chato assim.
B - Na verdade é, você é insuportável.
A - Eu sei. Estava tentando me iludir.
B - Que bom que você sabe. Já pensou em fazer algo a respeito?
A - Não.

(...)

segunda-feira, abril 16

Berinjela

Tem berinjela aqui em casa. Lembrei de ti porque tu sempre diz que adora berinjela, e como de almoço o que tinhamos era isso, não deu pra não lembrar de ti. Sei que vivo lembrando por coisas absurdas, mas veja bem, somos íntimos o suficiente pra isso, não?O fato é que tem berinjela aqui em casa, e eu lembrei de ti. Mas é uma berinjela feia, meio bege por dentro e com vários pontos pretos nela, parece um bicho morto, alguma coisa como mofo, não sei, só tu pra gostar dessas coisas meio bicho meio mofo. Bem que podiam ser uns morangos, tu nunca gostou de morangos, mas de berinjela tu gosta, tu sempre me diz. Eu não sei se ela tava boa, juro que não parecia, e sabe como são as comidas aqui em casa, um nojo. O aspecto prova isso, e eu nunca me arriscaria a prová-la pra ver se realmente tava velha, com bicho e mofada. É uma berinjela tão feia, tão feia, acho que nem tu que adora comeria, ou pelo menos não muito, te conheço. Sei que parecia que a qualquer momento ela ia pular em mim e me agarrar, eram tantas rodelas que realmente aqui em casa devem ter pensado que eu gosto de berinjela. Até parece, logo eu, que gosto de morangos.

terça-feira, abril 3

Meu bolo? Eles levaram.

Esse é velho, mas tá valendo.

Eles levaram o bolo. O meu bolo. Levaram o meu bolo. Eles levaram. Levaram meu bolo. Meu bolo de aniversário. Eles levaram. Meu aniversário e meu bolo. Eles levaram meu bolo de aniversário. Antes me deram o bolo. Apagaram as luzes e colocaram as velinhas no meu bolo. Mas depois levaram meu bolo. Meu bolo de aniversário. Eles levaram. Apaguei as velinhas e até comi um pedaço do meu bolo. Mas depois eles levaram. Levaram o meu bolo. De aniversário. E no final, eles levaram meu bolo. Não que eu tivesse algum problema em distribuir o meu bolo. Mas eles levaram o meu bolo. Levaram. Nem me perguntaram se podiam levar o meu bolo, mas levaram. Dividiram ele na minha frente e depois, depois levaram o meu bolo. O MEU BOLO. E chegaram a conclusão de me ignorar, e levar o meu bolo embora. E eu voltei de mãos abanando pra casa, porque presentes, eu não ganhei, e o meu bolo, o meu bolo eles levaram.