segunda-feira, novembro 27

Raio de Sol e Brilho da Lua

Nos olhos deles se percebia qualquer coisa que lembrasse ternura
eles estavam juntos no olhar
não precisavam de um passado bonito
ou um futuro perfeito
onde eles sequer estivessem de mãos dadas
precisavam somente daquele momento
do raio de sol e do brilho da lua
que invadia conscientemente a janela deles toda vez em que um pensava no outro
e então durante semanas os seus respectivos quartos se enxeram de raios de sol e de brilhos da lua

e não é como se fosse pra sempre
ou um amor ideal
apenas dois desejos bem aproveitados
que são durante instantes
os únicos instantes da vida deles

terça-feira, novembro 21

A janela do prédio ao lado

Carolina dançava as três da tarde. Em todas as tardes. Todos os meses. Durante muito tempo, Carolina chorava movimentos.
Enquanto eu via do outro lado da rua, as lágrimas desenhadas no ar pareciam ficar cravadas aonde ela colocasse o braço, a perna, aonde seu corpo invadia, a lágrima ficava. E não havia mistério, era tão simples entendê-la, que se não dançasse tão bonito diria até que era entediante passar aquelas horas ali mirando-a do quinto andar.
No começo eu espiava de relance, quando passava pela janela. Menina triste dançando. Comecei então a inventar desculpas pra alcançar a vista dela, trocando coisas lá e aqui só pra conseguir passar pela janela e vê-la dançar. E nem a achava bonita e também sua dança me parecia estranha de mais.
Teve um dia que me peguei parado, imovél, só admirando a sua beleza oculta.
Por trás daqueles cabelos compridos tinha um rosto fino e sincero, mas que se escondiam. Recorria então a dança dela, mas no entanto ela também se escondia. Os movimentos pareciam ser cortados e envergonhada ela reprimia o choro. Comecei a observá-la sempre que podia, e a enfeitava com batom e uma voz doce, tentando tornar mais apetitosa a sua aparência.
Certa vez, já acustumado a esperar por ela as três horas, Carolina não apareceu. Talvez ela tenha cresido e a deixado pra lá a dança, pensei. Tinha notado que seus movimentos desenhavam o ar com muito mais desenvolver e sedução e sem a vergonha que a reprimia antes. Seus seios estavam fartos e vez e outra usava maquiagem, mas nunca a olhara como uma futura mulher, apenas como uma eterna menina que dançava para mim na frente do espelho.
Voltei na tarde seguinte, e na outra e em todas as que sucederam, mas o máximo que consigui, foi vê-la consagrando o próprio reflexo, conferindo a roupa antes de sair.
Agora deve dançar por aí, em uma dessas boates onde as mulheres bailam a noite toda. E tem os cabelos curtos e espivetados, reforçando sua independência e feminilidade. Misturado entre suas coisas no quarto se encontra o espelho, rachado no canto, marcando a minha velhice e a passagem da infância dela.
Algumas vezes ainda me esqueço que ela virou uma mulher, e insisto em esperá-la as três da tarde. Outras apenas tenho a esperança de que se arrependa e volte a dançar pra mim. Enquanto na verdade eu sei que agora ela dança por aí para todos os homens, não mais na inocência e poesia que o fazia nas tardes em que eu a olhava, mas com intenção de conquistar corações, enquanto destrói o meu.

domingo, novembro 19

o que importa

Me pegou de surpresa, ok, mas era uma reação normal, o que eu podia esperar? De qualquer forma eu não espero nada mesmo. Mas infelizmente, meu livro de matemática me espera em cima da cama. E eu insisto em atrazar nosso encontro. Não pelo desprezo, mais pelo medo de abrir e ver que ele é um total estranho pra mim. Se é que dá pra entender a metáfora. A dupla metáfora de todos os encontros da minha vida e a matemática. Enfim. O livro continua lá, e eu aqui. Estamos os dois felizes. E afinal felicidade é o que importa, não?
Não. O que importa é muito mais grande que isso, e envolve respeito e dedicação e não felicidade. Ou talvez envolva felicidade também. É, envolve repeito dedicação e felicidade. E um pouco de amor. Então é isso, respeito dedicação felicidade e amor. O kit perfeito. Quem sabe se tiver alegria... Respeito dedicação felicidade amor e alegria. Pronto. Ok ok, bota dinheiro aí também, não faz mal a ninguém. Respeito dedicação felicidade amor alegria e dinheiro. E quem sabe paz, todo mundo quer paz, não é? E deu também. Nem mais uma palavra, nem mais nada. Chega de enrolação. Decidido: o que importa é isso, respeito dedicação felicidade amor alegria dinheiro paz e o resto a gente corre atrás.

Pós Escrito: Ok, meu processo criativo tá lento e fraquinho, seja compreensivo.

segunda-feira, novembro 13

Geografia e seus vários modos de me atormentar

Eu me recordo com pavor da cara da professora de geografia e de quando ela nos dizia cruelmente que vocês falam muito bonito, tem um ótimo papo, mas é só isso, na hora de fazer, nada, nada, nada, nada, nada... nada?
Não me recordo exatamente a cara que ela fez nessa hora precisamente, mas da cara dela em si, porque abaixei a cabeça por pura e simples vergonha no momento em que ela nos abordou no corredor dos ármarios a fim de nos dizer que a gente era muita conversa e pouca ação.
Se meu dia já estava bastante atormentado, se meu coração já estava confuso o suficiente, pouco importava, ela nos olhou nos olhos, e nos disse sem pestanejar um monte de palavras que fizeram meus cabelos cairem na cara, tentando me esconder enquanto o discurso não terminava, e não terminava nunca.
E nos traumatizou tanto que no meio da conversa não conseguiamos nem mais retrucar, e continuou até que eu quase que chorando pedisse em suplicas pára! Tá me deixando deprimida, e puxa, eu já tava mega deprimida. Como boa professora falou algumas frases antes de terminar só pra porvar que era superior-a-qualquer-pedido-de-um-aluno-e-fazia-o-que-bem-entendia. E como se não bastasse fazer com que nos sentissemos as piores criaturas da face da terra, caminhou na nossa frente achando que fazia parte de um desfile de moda enquanto sua trilha sonora era o sino do colégio, que dizia que a prova de geografia iria começar.
Relevos, climas, hidrografia, localização, enfim, mapas em geral nunca foram meu forte. E como a parte política, econômica e que envolve o desemprego no país devido a inflação e o socialismo em Cuba nunca caem em testes de geografia, o sino do colégio pra mim mais anunciava o fim da prova do que o começo dela.

pós escrito : fiquei em dúvida em qual dos blogs postar, mas vai nesse mesmo.

sexta-feira, novembro 10

Sexta série

"sério, a sexta série foi a 100 anos"

Sexta série... sexta série... eu achava que era gente.
Dái quando eu cheguei no segundo grau descobri que a gente só vira gente mesmo quando passa da sétima. Quando chega na oitava, quase isso.
Tá que eu sei que daqui a um tempo eu vou dizer, porque a gente só vira gente quando sai do colégio, e assim até o infinito, mas tudo bem. Vou continuar achando que eu tenho algum valor no mundo.
Eu lembro da sexta série... não tão bem quanto gostaria, mas lembro. Eu ainda usava aquelas calças justas que tinham saido de moda desde meus cinco anos, mas a minha mãe continuava comprando, e como eu não ligava pra roupas, eu continuava usando.
O meu cabelo eu usava preso. Ele simplesmente não existia. Um rabo de cavalo de manhã, antes que eu mesma me olhasse no espelho. Acho que foi a fase que eu menos tive auto-estima na minha vida. A coisa era triste.
Eu era mais gordinha do que hoje, mais alegre do que hoje e até mais inteligente do que hoje. Eu fazia crochê nas terças de manhã. Mentira, eu quase-fazia crochê nas terças de manhã. É que eu estudava a tarde, e ia pro colégio de manhã e fazia crochê até que batesse pro recreio dos mais velhos. Claro que eu não fazia mais nada a partir dai, olhar os cabelos macios balançando dos garotos do primeiro ano era a diversão não só minha, mas de toda a turma.
Eu não me lembro o que eu fazia das minhas tardes, mas esperava anciosa as terças pra que pudesse vê-los. E era tão bonito, toda a inocência era nossa. Depois, depois o tempo passou. A gente acabou entrando na oitava série.
E acabou descobrindo que olhar só não satisfaz.
Enfim, a gente virou gente.

quinta-feira, novembro 2

Quando eu ouço a tua voz me dá vontade de chorar

Deve precisar só de cinco minutos pra ficar toda embelezada assim. E ainda sorri tão sincero. E eu podia passar horas só olhando ela sorrir.
Mas quando eu ouço a voz dela me dá vontade de chorar.
Talvez pela indiferença que faz a mim, ou pela voz soar triste mesmo.
Parece até que ela é fragil e que eu preciso abraça-la pra que ela se sinta protegida. Eu gosto de pensar isso, porque me faz sentir capaz, mesmo que eu não seja.
Mas toda a força que ela tem fica clara quando ela anda. E ela quase não anda, flutua. Os pés dela raspam o chão, mas eu sei que ela não precisa tocar nele pra se mover. E ela fala alguma coisa bem doce, só pra ficar no desejo.
E na maior parte do tempo é como se eu soubesse o que ela vai dizer, porque ela sempre diz as coisas obvias. Mas eu fecho os olhos e escuto a voz dela. E fico repetindo pra mim a mesma frase até me cansar.

Os vícios de linguaguem tão clichê que ela tem me fascinaram desde a primeira vez. Tanto que até adquiri alguns pro meu próprio vocabulário.
Meu pequeno vocabulário, que podia se resumir só em ELA. Eu poderia então viver disso, do ela e da voz dela. E da voz dela dizendo ela, ela, ela, ela, ela... Eu não me cansaria nunca. Eu saberia o que quer dizer, ela saberia também. Todos ficariam felizes. E tudo bem sentir vontade de chorar.
E bastaria pra mim passar o resto da minha vida ouvindo os ecos da voz dela sussurrando ela, ela, ela, ela. Até que ela se tornasse eu, e eu pudesse finalmente durmir no colo dela enquanto a voz dela cantava green day.

Ficaria muito na cara se eu pedisse pra gravar ela falando qualquer coisa?