sábado, dezembro 30

Porto alegre, 28 de dezembro

Minha querida,

Nessa carta não falarei do tempo, nem das águas cristalinas dos rios ou de como me encanto com as borboletas em segundas-feiras.
Tenho algo mais importante a revelar. Venho por meio dessa lhe informar que estou enloquecendo. E não é em vão que tomo conclusão desse fato, acredite. Na carta anterior pensei em lhe avisar, mas me parecia recíproco demais. Agora tenho certeza. Não há mais o que fazer. Não precisas perder tempo com qualquer tentativa de recuperar minha sanidade - ela está se indo de vez. Sei que deves se perguntar da onde tirei tal absurdo, mas nem eu mesmo sei. Apenas sinto a noção de realidade saindo completamente de mim. Não querida, não são os chás que andei fazendo com minhas plantações. Ou talvez sejam, mas não há antidotos mesmo. Temo que sejam coisas da minha mente que me dizem isso, em todo caso se confirmar-se, seria só mais uma prova do que lhe confesso.
As tardes sem tua presença tem me feito mal, querida, eu sinto sua falta. Não se preocupe, a perda da minha consciência não me trará a morte tão cedo. Lamento informar, terá que se acustumar com algumas coisas. Não serei mais o que custumava ser, apenas só mais um desses poetas sonhadores. Mas não nego, é encantador a proposta de me tornar totalmente um deles, coisa que desejei a vida inteira. Não desse modo, ambos sabemos, mas agora é inevitável. Está tudo feito, e talvez, admito, sejam tuas as culpas. Sabes como me confundes toda vez que te vejo, e que ao longo desses dias em que não pude olhar teus cabelos lisos tenho me tornado mais amargo e triste. Sempre lidei bem com a solidão, mesmo quando ainda a tinha comigo. Vivias se esquecendo de mim e meus pensamentos se afundavam sozinhos, até quando nossa sala permanecia cheia de visitas agradáveis. Mas agora não quero me prolongar nesse assunto, minha querida. Sabes que tenho total carinho por ti, e não pretendo perdê-lo, mesmo quando rejeitas minhas cartas por meses.
Espero que essa carta lhe toque, não por estar ficando louco, mas pela tamanha sinceridade que expresso. Nunca foi qualidade minha ser assim, embora sempre tenha me esforçado. Sim, querida, sei que sempre me quis sincero, e agora que em partes assim me torno, gostarias que conversassemos mais. Talvez seja pedir muito, mas se prestares atenção em mim, verás que não. Sou digno de teu respeito, e se me permite dizer, de tuas respostas, que espero ansioso.
Começo por encerrar - embora seja meio contraditório - este que o lê. Pois minha vista está cansada e os primeiros sinais da loucura vêm me invadindo. Volto a pedir que não se preocupe comigo, continuarei mandando notícias enquanto ainda tiver lucidez para chegar ao correio.


Com meus sinceros afetos(que conheces muito bem),
Antônio.

terça-feira, dezembro 26

Bobo, porém sincero

em quatro versos meus não caberia
tu, belas palavras
que agora sendo meu,
virou minha poesia.

domingo, dezembro 24

O que você quer de Natal?

É o seguinte: você tá lá na sua, ouvindo música e tudo mais. Daí algum chato resolve que você deve estar entediado e resolve puxar um assunto beeeem furado. O Chato pode ser a sua tia, que misteriosamente apareceu no seu quarto - você nem sabia que ela estava na sua casa, quanto mais que entraria no seu quarto! -, ou qualquer um desses parentes que você nunca descobriu que grau de parentesco têm com você. Ou até sua mãe, que adora ser engraçadinha de vez enquando. Mas vamos supor que é a sua tia(qualquer tia), ok?
Então você está lá se esbaldando em paz, quando chega a chata da sua tia, falando meloso:
- E aí, já escreveu pro Papaei Noel?
Ok, você é o caçula da família, o menor de oito primos, mas você já tem dezesseis anos e eles continuam achando que você tem seis. Você respira fundo, conta até dez, e responde com um sorriso amarelo:
- Hehe, ainda não.
Você não resiste, vira pro lado e faz uma careta enquanto pensa "mas que diabos, por que essa velha não se toca?"
- Assim ele não vai saber o que te dar, queridinho.
- Poisé.
Você tenta inutilmente cortar a conversa, começa a bocejar, a fingir que tá com sono, diz que faz três noites que não dorme, voltou de uma festa tarde, tá cansado, QUER FICAR SOZINHO. Mas claro, a sua tia entende que você só está se abrindo com ela, e não percebe o convite pra se retirar.
- Se comporto direitinho esse ano, subrinhuzinhu?
Já não bastasse o assunto chato pra burro, ela resolve terminar todas as frazes com diminutivos. Ótimo, era tudo que você precisava.
- Aham, tia.
- Tá quietinho por quê? Aconteceu alguma coisa? É o amor, né? Eu sabia... o menininho da tia tá apaixonado, que amorzinhu!
Você concorda, é isso aí, tomara que ela me deixe sofrendo por amor e vá embora. Logo você percebe que estava errado, ela não vai embora tão cedo. Daí ela resolve que sabe de tudo, que é experiente, que vai dar uns conselhos, afinal tia é pra essas cosias.
- Quem é ela? É do colégio? Claro que é, né? É da sua turma, não é? Eu sabia! Viu, depois de uma certa idade você só precisa olhar no olho da pessoa pra saber o que está acontecendo. Existem vantagens em ser velho, digo, velho não, maduro, viu sobrinhuzinhu? Existem sim, você quer saber quais são? Quer, eu sei. Deixa eu te contar. Por exemplo, agora, depois de madura, eu entendo tudo sobre homens, depois que me separei do seu tio, então! Tenho vivido cada aventura...!
Dizer que tá cansado não adianta, você sabe, então tenta outra tática. Olha ameaçadoramente pra ela, e depois pra porta. Ela fecha a cara. Pelo menos agora ela entendeu.
- Tá, eu não vou mais ficar falando sobre mim.
Ufa! Você não aguentava mais. Daí ela levanta, você pensa que ela vai sair do seu quarto, mas ela vai até a mesa do computador e se senta.
- Voltamos então ao seu problema... Que é mais importante que isso, não é? Vamos ver... ela deve ser muito bonita, não? Claro que sim, você é um menino de bom gosto. E inteligente também, claro. Deve ter muitos caras atras dela, mas você não pode desistir! E bom, se ela não te quiser, terão muitas outras. Eu sei, eu sei, quando a gente é pequeno acha que todo amor é pra vida toda, mas eu vou te dizer: não são não! Eu quando casei com seu tio, achei que ia morrer ao lado dele. E imagina só, cinco anos depois já estavamos separadíssimos! E isso que os outros namorados que eu tive nem um ano ficaram. É, parece inacreditáavel, mas amores não são para a vida toda. É duro, eu sei, mas você supera. A gente sempre acha que não supera, mas supera sim.
Puxa vida, como ela conhece tantas palavras? Ela não para pra respirar não? Afinal, o que ela veio fazer no seu quarto? Ou melhor, o que ela tá fazendo na sua casa? Ela não tem casa? Ela tem, você sabe, já teve o desprazer de ir lá.
- Pra você se declarar tem que ser romântico. Não sei quem disse que flores tão ultrapassadas. Tem coisa mais moderna do que escrever uma carta e mandar flores? Toda mulher adora, pode ter certeza. Mesmo as mais meninas, como essa que você gosta. Você não escreve, né? Procure alguma coisa de poesia então, Byron, Drummont, sua mãe deve ter alguma coisa. As garotas adoram! E pode até dizer que foi você quem escreveu, ela vai fica derretida por você, sobrinhuzinhu.
Você está prestes a ter um ataque, quase matando todo mundo, se perguntando por que você, que estava ali na sua, por que logo você, que estava sem fazer nada de mal pra ninguém. Daí, por algum motivo absurdo, que você não sabe da onde veio, você diz:
- Tia, não é uma menina.
- Não?
- Eu tô apaixonado por um menino. Eu sou gay, tia.
Você realmente não sabe porque disse isso. Você não está apaixonado, e muito menos é gay. Mas a sua tia conseguiu extrapolar o limite da sua consciência. Você resolve não falar mais nada antes que piore as coisas. Outra hora diz que é brincadeira. Mas agora não dá tempo. Precisa que a tia saia. Precisar retomar a lucidez. Talvez você ligue pra ela pra explicar tudo depois. Não, você não vai ligar, você sabe. Azar o dela.
Pelo menos você conseguiu o que queria, ela se calou. Você se concentra pra não rir da cara de pânico dela. Ela sorri, diz alguma coisa como "certo, certo" afinal ela entende, ela é uma tia moderna.
- Bom, se o meu sobrinhuzinhu quiser ajuda mesmo assim, a tia tá aqui... tá?
Não é possível, a velha realmente tirou diploma em enxer o saco. Você começa a perder a calma.
- Não tia, eu prefiro ficar na minha.
- Certo...
A sua paciência está no limite, você se sente extremamente irritado, e teme alguma atitude agressiva se a chata da sua tia não sair do seu quarto. Para sua felicidade, ela levanta, e dessa vez vai em direção a porta. Você respira aliviado, deita na cama. Finalmente vai poder ficar sozinho. Acompanha contente o barulho dos passos dela, os pés parando diante da porta, a maçaneta sendo aberta, a porta rangendo... silêncio. Ela podia pelo menos fechar a porta quando saisse, velha chata. Você está se levantando pra trancar o quarto, quando ouve um suspiro. Não pode ser. Espia, é real, vê ela dando meia volta e dizendo:
- Mas você não me contou ainda, queridinhu, o que pediu pro Papai Noel?

quinta-feira, dezembro 21

Em preto e branco

meus olhos encontram o teu em preto e branco,
do meu lado alguma coisa sussurra
não tenho certeza se são teus lábios ou os meus,
arrisco ouvi-los de qualquer forma
enquanto me aperto entre a cadeira, tentando diminuir, não sei se de tamanho ou expressão
é em vão, falho, aumento, extrapolo os limites que um dia eu pensei ter
mergulho em ti e te vejo mergulhando em desespero
não grito nem avanço, apenas nossos olhos cinzas, apenas teu sorriso morrendo
deito tua calma e te exponho, completa e conscientemente
dou cor pros teus lábios em tons de vermelho berrante
a luz e o som se confundem, como ondas que erraram o caminho
misturam-se perplexos entre o diálogo
não é teu ego que berra, é o meu que cala

segunda-feira, dezembro 18

Meio-fio

Parou. Olho pros dois lados com os olhos esbugalhados. Nada.Sentou ainda perplexa no meio-fio, ficou contente de não encontrar ninguém no caminho do consultório até ali.

Abriu a bolsa com cuidado, viu cair a agenda. Deixou que rolasse até que aberta cessasse, esmagando todas, ou se não muitas das páginas, que cuidadosamente anotara o telefone de quem algum dia lhe fez sentido, mas não faziam mais. Tentou ainda pensar em uma excessão, alguém que pudesse ligar e confessar seus pecados, não encontrou. Nenhum deles, todos imundos em seus mundos hipócritas. Queimou com os olhos a agenda cinza-cor-de-solidão, e depois queimou o dedo pegando o esqueiro, para então, e diria finalmente, transformar aquelas páginas, de A a Z, em apenas cinzas.

Contemplou a rua, ensaiou risadas, virou-se para si, e viu em seu próprio colo o que tanto procurava. Segurou com força a caneta, e fez a lista de coisas que ainda tinha que fazer. Triunfante, ergueu os olhos o mais alto que pode e visualizou o céu encantada, pensou não ser forte o suficiente, caiu sobre seus ombros, culpada, mais desiludida que culpada, mas ainda sim morrendo. Bateu os pés com força, com tanta força que seus sapatos se afundaram, abaixou a cabeça como se a raiva viesse de cima, e de alguma forma fizesse sentido desviar-se. Respirava alto tentando provar que estava viva, que não morria aos poucos, que seu coração ainda estava inteiro e que tudo que haviam lhe dito a meia hora átras era mentira.

Então é isso, pensou, mas negou qualquer aceitação, e por alguns instantes tentou acreditar que tudo fosse apenas um sonho. Ilusão. Todas essas pequenas doenças nesses últimos meses eram apenas uma amostra da original, sabia onde tudo acabaria, qualquer que fosse o caminho percorrido, não tinha mais escolhas. Aids. Ela, portadora do vírus HIV.

Fechou os olhos para que não escutasse mais os gritos e assim esquecesse que existiam, se pôs de pé, olhou pra cima outra vez. Tudo bem ser frágil, bem frágil, parecia necessário no momento. Recuou um passo pra trás, não pegando impulso, mas como uma tentativa de ficar mais longe do destino. Com o desespero transbordando pelos lábios, deixou que lançasse a caneta que tinha na mão o mais longe possível, enquanto seu corpo desabava e seus olhos se enchiam de rios.

quinta-feira, dezembro 14

Alguma coisa sobre o passado

Me veio na cabeça alguma coisa sobre como as músicas que eu ouvia há algum tempo eram as mesmas que enquanto ouvia, desprezava, total e conscientemente. Alguma coisa sobre o tempo em que o quê eles pensassem era certo. O que eu pensava também, mas não por ser certo, e sim por largar meus pensamentos e adotar os deles.
E eu vivia alguma espécie de crescimento atrazado-acelerado, se é que faz algum sentido. As espécies de coisas que eu era não faziam muito sentido mesmo. E eu continuei sendo por muito tempo, assim, sem fazer sentido nem nada.
Mas não só o que eles pensavam era certo, mas o que vestiam, ouviam, faziam, as formas estranhas que andavam, os lugares que iam, eticetera. Sei que só não fui totalmente transformada neles porque não consegui desvendá-los por completo, e quando quase desvendei, desisti. Não porque me parecia demasiado difícil, e sim porque na verdade, depois de um certo tempo, eles se tornaram chatos e tediosos.

segunda-feira, dezembro 11

É ele.

Um dia você acorda e ele está lá. Sentado na sua poltrona. Lá, onde sempre esteve. Olhando qualquer detalhe na sua parede que você jamais reparou. E você sabe que é ele, sentado tragando um cigarro com timidez, é ele. ELE.

E ele vai preencher suas tardes com sorrisos e silêncios. E vocês vão rir juntos e contentes. Ele vai abrir a porta pra você sair do taxi. Ele vai trazer flores no seu aniversário. Vai te abraçar com sinceridade, não como quem quer te agradar, mas como um amigo que te aceita.

E ele vai te aceitar. E vai amar seus soluçõs e rir dos seus arrotos. Vai achar charmoso as suas pintinhas, e vai te ajudar a andar nos dias de chuva que o joelho insiste em doer. E vai te dizer que o cabelo tá despenteado, que a maquiagem tá borrada, que você fica linda sorrindo.

Ele vai sorrir quando provar o bolo que você fez, vai dizer alguma coisa boba sempre que você parecer triste. Vai abrir mão de sair quando você precisar conversar, vai te ouvir, e principalmente, te calar.

E ele calado, fica te mirando. Onde ele esteve o tempo todo, lá.
E daí você acorda, e vê que bem na sua poltrona, logo na sua poltrona, ele permanece sentado, mas não só sentado como parado, olhando um detalhe na sua parede que, infelizmente, você nunca notou.

É ela.

Ela tá aqui. Tu sabe que é ela, sempre soube. Ela sorri e tu sabe, tu sente. Tá no riso dela, no brilho dos teus olhos. É ela e pronto.
E é ela mesmo que ela vá embora, mesmo que deixe de ser.
Na boca, no rosto, na flecha piscando em cima da cabeça dela, tudo diz que é ela. Nada importa, nunca importou mesmo.
Ela também. Também sabe. É, ela sabe, e fica aqui. Ela tá aqui. Bem diante dos teus olhos e tu fecha os olhos, e ela fica aqui, parada na tua frente enquanto tu fica tentando mentir pra ti mesmo que não, não pode ser ela, não ela, justamente ela.
Tu fuma um cigarro achando que pode vencer o silêncio, ela? ela só entende, tu? tu tenta dizer alguma coisa sem sentido,
- É tu.
- Quê?
- Nada.
Tu acha realmente que ela não sabe, mas ela sabe, só em ser ela já fica sabendo. E é claro que ela sabe, ela vê,
- Tu, eu disse que é tu.
- Eu?
- Tu mesma.
- É, eu sei.

quarta-feira, dezembro 6

Temporariamente Fora do Ar

Agora com a cabeça nas nuvens, honey.
(quase enloquecendo)